terça-feira, 6 de julho de 2010

Senhor Deus dos desgraçados... Castro Alves

Era um sonho dantesco, tombadilho

Tinir de ferros, estalar do açoite

Legião de homens negros como a noite

Horrendos a dançar

Negras mulheres

Levantando as tetas

Magras crianças

Cujas bocas pretas

Regam o sangue das mães

Outras moças

Mas nuas, assustadas

No turbilhão de espectros arrastadas

Em ânsia e mágoas vãs

Um de raiva delira

Outro enloquece

Outro que de martírios embrutece

Chora e dança ali

Senhor Deus dos desgraçados

Dizei-me vós

Senhor Desus

Se é loucura, se é verdade tanto horror

Perante os céus

Quem são esses desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rio calmo da turba

Dizei-o tu severa musa

Musa libérrima audaz

São os filhos do deserto

Onde a terra esposa a luz

Onde voa em campo aberto

A tribo dos homens nús

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão

Homens simples, fortes, bravos

Hoje míseros escravos

Sem ar, sem luz, sem razão

Lá nas areis infindas das palmeiras no país

Nasceram crianças lindas

Viveram moças gentis

Passam um dia a caravana

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus

Adeus oxossa do monte

Adeus palmeira da fonte

Adeus amores

Adeus

Senhor Deus dos desgraçados

Dizei-me vós Senhor Deus

Se é loucura se é verdade tanto horror

Perante os céus

Oh mar porque não apagas as tuas vagas

De teu nanto este borrão

Astro, noite, tempestade

Rolai das imensidades

Varrei os mares tufão

Existe um povo

Que a bandeira empresta

Para cobrir tanta infâmia e covardia

Que deixa transformar-se nesta festa

Em manto impuro de bacante fria

Meu Deus, meu Deus

Mas que bandeira é essa

Que impudente na gávea tripudia


Auriverde pendão da minha terra



Que a brisa do Brasil beija e balança



Antes te houvessem roto na batalha



Que servires ao um povo de mortalha



Mas a infâmia é demais



Da etérea plaga



Levantai-vos, heróis do novo mundo



Andrada arranca este pendão dos ares



Colombo fecha a porta de teus mares