sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Uma entrevista com Patativa do Assaré

Já algum tempo quis fazer uma publicação a cerca dessa figura apelidada de Patativa do Assaré. No entanto descobri que apesar da simplicidade de seus versos e de sua linguagem, escrever sobre essa pessoa não seria uma tarefa tão simples. Antes, no entanto, de prosseguir a leitura da postagem, gostaria de informa ao leitor que essa entrevista, que cito no titulo e poderão acompanhar, jamais aconteceu. Ou seja, essa postagem nada mais é do que uma tentativa de explicar quem foi Antônio Gonçalves da Silva, utilizando para isso seus próprios versos retirados do livro Cante Lá Que Eu Canto Cá.

Sem mais delongas apresento a entrevista e espero que todos possam apreciar a simplicidade da “Filosofia de um trovador nordestino.” Antes de prosseguir só gostaria de mais um pedido, quando forem lê as respostas, leiam em voz alta e poderão sentir os versos de Patativa do Assaré.

O que se canta na maioria de sues versos?

Se o poeta marinheiro
Canta as belezas do mar,
Como poeta roceiro
Quero o meu sertão cantar
Com respeito e com carinho.
Meu abrigo, meu cantinho,
Onde viveram meus pais.
O mais puro amor dedico
Ao meu sertão caro e rico
De belezas naturais.


O que diz o título Cante lá Que Eu Canto Cá?

Poeta, cantô da rua
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua
Que eu canto o sertão que é meu.

Você teve inducação
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça
Nunca trabaio na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nessa penosa vida
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem


Como é ser um poeta sertanejo?

Sou matuto sertanejo,
Daquele matuto pobre
Que não tem gado nem quejo
Nem ouro, prata, nem cobre.
Sou sertanejo rocêro,
Eu trabaio o dia intêro,
Que seja inverno ou verão.
Minha mão calejada,
Minha péia é bronzeada
Da quintura do sertão

Canto a vida desta gente
Que trabaia inté morrê
Sorrindo, alegre e contente,
Sem dá fé no padecê,
Dessa gente sem leitura
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Sem nada sabê da terra,
Sem sabê se existe guerra
De país contra país.


O que teria o nosso sertão amado?

Eu sei que dizendo assim,
Eu não tou falando a toa,
Meu sertão tem coisa boa
E também tem coisa ruim;
Umas que fede a cupim
Ôtras que chera a melão
De tudo eu sei a feição
Pois conheço uma por uma
Vou aqui dizê arguma
Das coisas do meu sertão

Quando uma seca inclemente
Assola o nosso Nordeste
Dexando a mata e o agreste
Tudo triste e deferente,
Que viaja a pobre gente
Pra São Paulo e Maranhão
Dexando o caro torrão
Onde contente vivia
Trabaiando todo dia,
É coisa do meu sertão.


Como foi viver nessa capital?

Vou vortá pro meu sertão
Não posso me acostumá
Das rua da capitá
Vem um carro em minha frente
E depressa, de repente,
Já vem outro por detrás.
É uma coisa sem soma,
O fôrgo que a gente toma
É só catinga de gás.

Eu não gostei do rejume
Da vida da capitá,
Eu aqui só gostei munto
Do má, deste grande má.
Que poço d´água, pai d’égua!
Ele tem légua e mais légua,
E a gente só sabe é vendo,
Veve a roncá com orguió
De longe se oice o barúio
Das águas se arremexendo.


Depois de tantas poesias o que falta mais falar de sua querida terra?

Sertão, argúem te cantô
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistério
Ninguém sabe decifrá
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.

No rompe de tua orora,
Meu sertão do Ceará
Quando escuto as voz sonora
Do sadoso sabiá
Do canaro e do campina,
Sinto das graças divina
O seu imneso pudê
E com munta razão vejo
Que a gente sê sertanejo
É um dos maió prazê.


Sobre o poeta Luís de Camões ?

Daqui, da distante serra
De Camões o que direi?
Quer na paz ou quer na guerra,
Que ele foi grande eu bem sei
Exaltou a sua terra
Mais do que o próprio rei.
Este poeta imortal
É orgulho de Portugal.




Qual é o “seu” gosto de poesia moderna?

A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura;
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem lua

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Todo o meu é natura,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.


Que tal um pouco de filosofia?

Seu doto pede que eu cante
Coisa da filosofia;
Escute que eu vou agora
Cantá tudo em carretia;
O senhô pode escutá,
Que se as corda não quebrá,
Nem fartá minha cachola,
Eu lhe atendo num instante:
Nada existe que eu num cante
Nas corda desta viola.

O mundo é uma cadeia
Onde se véve a pená;
Nós somo os prisionêro
Deste carce universa;
Vivendo nesta prisão,
Tudo de argema nas mão,
Os grião é as doença;
Dentro deste calaboço
Sofre o veio e sofre o moço,
Que a vida é dura sentença

Tudo geme neste carce,
Grita um – ai! Ôto – oi!
E a causa dessa derrota
Eu vou lhe dizê quem foi:
Apois bem, todo motivo
De hoje nós vivê cativo,
No mais horrive pená,
Foi Adão e sua esposa,
Que os mais veio faz as coisa
Mode os mais novo pagá


Para terminar, que tal uma poesia?

       Minha Serra

Quando o sol ao Nascente se levanta,
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra,
Em cada galho um passarinho canta.
Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia, a cabra berra,
Tudo saudoso a natureza santa.

Ante o converto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem,

Beijando a chora do feliz caipira
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.


Peço desculpas aos leitores por terminar por aqui, mas não tive a intenção de nenhum texto longo. Sei que falta outros inúmeros versos e outras boas poesias, como exemplo os versos que se tornaram musica de Vaca Estrela e Boi Fubá. Também sei que não foi uma apresentação justa, foram simples perguntas e selecionei poucas estrofes, mas de qualquer forma minha idéia principal, foi sim concretizada, tentar explicar Patativa de Assaré por ele mesmo, em vista que minhas opiniões e minhas análises poderia ser bastante superficial.