Era um sonho dantesco, tombadilho
Tinir de ferros, estalar do açoite
Legião de homens negros como a noite
Horrendos a dançar
Negras mulheres
Levantando as tetas
Magras crianças
Cujas bocas pretas
Regam o sangue das mães
Outras moças
Mas nuas, assustadas
No turbilhão de espectros arrastadas
Em ânsia e mágoas vãs
Um de raiva delira
Outro enloquece
Outro que de martírios embrutece
Chora e dança ali
Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós
Senhor Desus
Se é loucura, se é verdade tanto horror
Perante os céus
Quem são esses desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rio calmo da turba
Dizei-o tu severa musa
Musa libérrima audaz
São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nús
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão
Homens simples, fortes, bravos
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão
Lá nas areis infindas das palmeiras no país
Viveram moças gentis
Passam um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus
Adeus oxossa do monte
Adeus palmeira da fonte
Adeus amores
Adeus
Dizei-me vós Senhor Deus
Se é loucura se é verdade tanto horror
Perante os céus
Oh mar porque não apagas as tuas vagas
De teu nanto este borrão
Astro, noite, tempestade
Rolai das imensidades
Existe um povo
Que a bandeira empresta
Para cobrir tanta infâmia e covardia
Que deixa transformar-se nesta festa
Em manto impuro de bacante fria
Meu Deus, meu Deus
Mas que bandeira é essa
Que impudente na gávea tripudia
Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires ao um povo de mortalha
Mas a infâmia é demais
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do novo mundo
Andrada arranca este pendão dos ares
Colombo fecha a porta de teus mares
Os versos de Castro Alves, emocionam...
ResponderExcluirQuando oferece-nos estes versos carregados de tão belas e eloquentes imagens, meu caro Victor... Evocas de modo ardiloso os mais contundentes sentimentos de horror, diante do que chega-nos por meio dos versos, do que o poeta, essa alma sensível e hábil no escolher das palavras, vivenciou sobre o que foi a escravidão.
E comungando de sua repulsa, indignação e inconsolável descontentamento repito ainda hoje " senhor Deus dos desgraçados (homens de todos os tempos), dizei-me vós se é loucura se é verdade tanto horror...".
Não obstante todos os horrores que gestaram essa triste "América vendida" inquieto me a ver que esse brasil brasileiro, se uni no refrão massificado das grandes midias, para o culto religioso de um torneio mundial de futebol, pelo qual, as repartições publicas de serviços tão carentes e passíveis de melhoras e aperfeiçoamentos param, empresas e trabalhadores reduzem seus trabalhos e dedicam no mínimo noventa minutos para assistir as transmissões dos jogos ( nada contra o Futebol), mas não nos organizamos quando parlamentares corruptos insistem em manter no atrazo o país, quando a justiça morosa e discrimintante mostra que a lei funciona, para que não tem dinheiro para pagar por uma brecha, quando é preciso cotas para etnias por que não se investe na educação do povo de modo a servir para o crescimento intelectual do próprio povo... E em face de tantos desarazoados argumentos, que denotam minha situação de descontrole emocional frente aos versos imagino, se um dia teremos motivos pra ler esses versos e suspirar por sua beleza sem matizar a consciência de que excetuando todo o belo da poesia, o que fica é o depoimento do genocídio de gentes que aqui foram consumidas por sonhos alheios aos seus, por projetos que em nada lhes pertenciam ou diziam respeito e que por fado ou por punição dos céus... Custaram lhes a vida, os sonhos as terras...
E nós deste tempo, que poesia teremos para legar à posteridade? Que legaremos aos nossos filhos e netos..? O dever de fazer o que fomos incapazes de fazer hoje? Ajudar a construir com o melhor que possuimos um País que possa dignamente olhar o seu passado sem a vergonha de ver perpetuando no presente e reguardado para o futuro as cicatrizes e as praxes genocidas, preconceituosas, desumanizantes, excludentes...
Que o pendão de minha terra, seja não mais a mortalha de nosso povo, mas a insígnia de uma gente hospitaleira, gentil, brava e consciênte. Que não fuja à luta, as saiba reconhecer no outro a estensão de seu próprio ser...
Levante herois deste tempo e cumpra pois a parte que te toca neste trabalho, pois a pior escravidão, julgo ser, a escravidão da mente, do intelecto, que atrofiado por uma praxes erônea, inimiga dos livros e dos debates, osciosa e sedentária, arrasta nossa gente parao tronco da estagnação, impedindo nos de tomarmos as redeas de nossa própria história e definir assim como seremos e por onde andaremos...
"Pois a cor da pele e as cifras monetárias não devem definir quem vive ou quem morre, quem tem direitos e quem não tem... O que doi é perceber que apesar de tudo, tudo, tudo o que vivemos, ouvimos, lemos e vemos... ainda somos os mesmos e vivemos, sofremos e morremos como nossos pais!!!
Viva a poesia, os poetas... E parabens a você pela postagem!!!
Um tanto quanto intrigante quando se fala daqueles homens e mulher, e por que não até crianças, que um dia aqui estiveram e aqui seu sangue foi derramado. Um povo martirizado pelo simples fato da tonalidade de sua pele, um negro reluzente, belo e encantado. Encantando os senhorzinhos com essa pele "cor do pecado", as mulatas eram maltratadas, estrupadas, objetos de prazer! Os homens robustos, com seus braços fortes eram "acariciados" pelo peso da chibata. E as pobres crianças? Deixadas, abandonadas pelo branco estrupador que as tinham feito, mas não criado. E o quão triste são suas histórias, o povo ainda se fez (e faz) feliz, guerreiro; com suas tradições, com suas convicções, com sua gente.
ResponderExcluirE o branco, o que fez? Destruiu, maltratou, escravizou... Derramou esse sangue brasileiro em troca daquilo que ele acreditava ser certo; em troca de café, açúcar, RIQUEZA...
O povo por si só já carrega o fardo de sua própria existência. Essa existência amarga, lapidada pelo suor de cada dia, pela própria convicção de sua sobrevivência.
Viva esse sangue negro que corre em nossas veias!!
~♥
São tantas emoções...
ResponderExcluirimpressiona em ve o que as palavras bem organizadas consegue produzir....
QUE SENTIDO INCRIVEL!!!
"Incrivelmente incrível", tal escrito tem o poder de trazer ao leitor por inúmeras vezes arrepios delirantes. Meu irmão declamou esse poema numa tarde em um evento numa escola. Perfeito!!! Um poema bem escrito, realista e inquieto junto a uma voz com entonação perfeita e um interpretação magnifica. Foi ali que decidi dedicar-me ao curso de História.
ResponderExcluirViva CASTRO ALVES!!
Que o Brasil avance na historia de si mesmo. Desbravando os preconceitos e intolerância. Santa ignorância, de achar que a cor da gente é mais forte do que coração que bate forte dentro de cada um de nós.
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