sexta-feira, 14 de setembro de 2012

As idéias fora do lugar
Livro Ao Vencedor as batatas

Schwarz, Roberto- “Ao vencedor as batatas”- I.  As idéias fora do lugar. São Paulo: Duas Cidades, 1992, 4ª Ed.

Na apresentação do capítulo I. “As idéias fora do lugar” do livro Ao  Vencedor as batatas, publicado em 1977, Roberto Schwarz sustenta que “toda ciência tem os princípios que são originados dentro do seu próprio sistema, e um dos princípios da economia política seria o trabalho livre”. Na propaganda de um panfleto liberal de Machado de Assis colocava o Brasil para fora do sistema da ciência, pois aqui o que predominava era a escravidão, considerada um fato descortês e execrável.“Estávamos aquém da realidade a que esta se refere; éramos antes um fato moral, impolítico e abominável”[1].


Crítico da literatura de Machado de Assis, Roberto Schwarz afirma que o Brasil respira as idéias européias, mas em sentindo totalmente impróprio, e dessa forma seriam problema para a literatura. Segundo Schwarz as idéias por esse prisma estariam fora do lugar, baseado na idéia de Marx que a estrutura determina a infra-estrutura, desse modo o social daria forma à literatura, a grande contradição observada por Machado de Assis no Brasil seria a estrutura totalmente atrasada e colonial, e a superestrutura avançada e liberal. Ainda sob o ponto de vista de Machado o escravismo enquanto persistisse no Brasil, o parlamento seria ao estilo inglês, e Schwarz observava ainda que as idéias que aqui circulavam eram baseadas nos movimentos existentes em Paris, e que estariam fora de centro, se relacionadas ao contexto europeu.

Schwarz encontra uma explicação histórica para afirmar no seu ensaio de que as idéias estariam fora do lugar, isso ocorria pela dependência econômica do Brasil ser baseada no escravagismo e a supremacia intelectual da Europa que era revolucionada pelo capital. Enfim, as idéias liberais não teriam meios para serem praticadas no Brasil, mas não poderiam ser totalmente rejeitadas[2]. Era um discurso incompatível com a realidade escravagista e clientelista existente no País.

O Brasil é um país agrário e independente, e toda a produção era proveniente do trabalho escravo de um lado e de outro a dependência do mercado externo. Independência era um feito recente no país e em nome dos ideais de liberdade franceses, ingleses e americanos, que já faziam parte da identidade nacional, segundo Emilia Viotti  esse conjunto ideológico existente no Brasil iria chocar-se contra a escravidão e seus defensores e tendo que conviver com eles.[3]

A não modernização da mão-de-obra na agricultura no Brasil, segundo Fernando Henrique Cardoso, era de que o escravo não estaria inserido no mercado de trabalho especializado, que apenas iria espichar o dia de trabalho do mesmo, para discipliná-lo, contrário do que era moderno, pois era fundada na violência e na disciplina militar, e a produção escravista era dependente da autoridade mais que da eficácia.[4]

Segundo Schwarz a colonização gerou três classes de população, baseada no monopólio da terra, o latifundiário, o escravo e o homem livre, que na verdade era totalmente dependente, a relação existente entre as duas primeiras classes era clara, porém a classe dos terceiros que era interessante, nem donos de terra e nem proletários e seu acesso à vida e bens matérias era totalmente dependente do favor, direto ou indireto de alguém maior que ele.[5]

Havia de fato uma discrepância entre as idéias liberais, a escravidão e a prática do favor não foi obstáculo para incorporação desses ideais pela elite intelectual e política do Brasil, tendo em vista que a geração de intelectuais se formou em universidades européias, equiparando valores e comportamentos.

“Adotadas as idéias e razões européias, elas podiam servir e muitas vezes serviam de justificação, nominalmente “objetiva”, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor “[6]


Schwarz argumenta que o escravagismo desmente o liberalismo e ainda mais o favor seria tão incompatível quanto o mesmo, há um deslocamento e uma distorção quanto à submissão das idéias liberais no Brasil, dando origem a um padrão particular, mas não se ajustando completamente ao local. Para ele ainda a distorção desses conceitos estrangeiros são inevitáveis, pois é o único modo de situá-los em contexto local usando os termos importado. Para Ângela Alonso[7], as idéias não estariam fora do lugar, apenas em movimento, pois muitas são as disputas que permeiam o pensamento político no Brasil, e suas mais diversas interpretações, seja na prioridade do Estado ou da sociedade. Alonso ainda compara o discurso de Sérgio Buarque de Holanda seria o oposto do pensamento de Faoro, que o patriarcalismo surge como herança rural e o Estado patrimonial lentamente são fundados e aprisionados nos círculos familiares, ou seja, o público permanece entranhado no setor privado.


Denise Silva



[1] SCHWARZ, Roberto- Ao Vencedor As Batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Duas Cidades, 1992, 4ª Ed.As idéias fora do lugar- Pg.1
[2] SCHWARZ, Roberto-  Ao Vencedor As Batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, São Paulo: Duas Cidades, 1992, 4ª Ed.As idéias fora do lugar-. Pg.12
[3] Ibdem pg 3
[4] Ibdem pg 3
[5] Ibdem pg 5
[6] Ibdem pg 6
[7] Alonso, Angela: Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil- Império_ São Paulo : Paz e Terra, 2002. 3-O sentido da contestação: A reforma da Ordem Saquarema- pg 245


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