domingo, 27 de junho de 2010

AMÉRICA INDÍGENA: Mortal Combate

A antropóloga Josefina Oliva de Coll é mexicana e traz em seu livro A Resistência Indígena, um apanhado de relatos sobre as diversas tentativas de resistência por parte dos nativos , à colonização europeia, por um vasto território deste continente hoje chamado América, que vai desde o México até a Argentina, visitando tribos e comunidades da América desde o início do século XV com a chegada de Colombo.

Quando o navegador Cristóvão Colombo chega com sua esquadra em 1492 a essas terras buscando outro percurso que os levassem à Índia para buscar seda e especiarias, eles estavam perdidos e rumaram por uma rota marítima que os conduziu por caminhos que julgavam possibilitar-lhes a chegada à Índia. Ao se deparar com uma terra gigante no meio do oceano, ele decretou que estava descoberto um “Novo Mundo”, mais tarde denominado “América”.

A chegada dos espanhóis à América insere-se no contexto da expansão marítima europeia, onde nações como Portugal e Espanha detinham em certa medida o monopólio das navegações marítimas trans-oceânicas. A colonização levou a Espanha a fazer incursões no novo continente, dominando e destruindo culturas indígenas, em busca de metais preciosos. As civilizações nativas foram denominadas “Indígenas” pelos europeus, numa alusão ao lugar que procuravam as Índias asiáticas.

Extremamente organizados, porém diferentes de tudo que os europeus haviam concebido e esperimentado, o povo ameríndio foi abalado por esta invasão europeia, sendo escravizado, roubado e ignorado culturalmente pelos colonizadores.

O processo de conquista foi visto pelos europeus como algo prodigioso de uma raça superior que vivia fundada da moral e bons costumes, moldados na fé cristã, realizada numa terra de seres selvagens, primitivos e canibais. Mas “... A oposição foi encarniçada e sistemática a partir do momento em que passada a surpresa e a confusão do encontro...” (COLL; 1974: 9), encontro esse, já esperado por muitos grupos indígenas que acreditavam na vinda de supostos deuses, desde muito anunciado pelos presságios que povoavam as tradições desses grupos.

A guerra desencadeada no continente americano a partir do mortal combate entre europeus e ameríndios pode ser acompanhado por meio das práticas neste contexto, onde era comum como instrumento de enfretamento, os incêndios de povoados e plantações, o extermínio e o descimento forçado pela fome. Os abortos eram comuns, visto que os índios os provocavam, para evitar que seus filhos se transformassem em escravos. (Josefina Oliva de Coll 1974)

As atrocidades contra os índios eram vistas pelos europeus como algo normal, pois estariam trazendo-lhe a paz, pelo menos do espírito, já que eram selvagens e precisavam ser salvos e se não podiam aceitar a salvação em vida, a teriam pelo menos pelo martírio e morte, que os purificariam.

E se a tradição didática leva a crença simplória de que o enfrentamento entre europeus e ameríndios se deu de forma tranquila ou minimamente violenta dada à mansidão indígena e a superioridade do invasor europeu, esta possibilidade é sumáriamente destruída na narrativa de (Coll), pois o conflito foi encarniçado e morreram tantas pessoas que se possível fosse jorrava sangue das paginas da narrativa, quando aborda minuciosamente as estratégias de combate e apresenta os números dos mortos em cada embate. O triste é verificar que a cada encontro, ainda que vencendo os europeus, a resistência indígena vai se minimizando e se expandindo o domínio e agressão do invasor europeu.

De forma geral, os “heróis”, índios da resistência contra os europeus, aparecem de modo muito volátil, pois suas vitórias não se traduziam em continuidade e tão pouco refreavam as entifadas dos europeus. E embora apareça inúmeros bravos “heróis” índios, sua vigorosa luta e implacável coragem de resistir, parece mesmo estar minada por uma determinação dos deuses que selou o destino ameríndio ao triste fado de sucumbir ao jugo dos europeus. Presságio que parece irrevogável na realidade do imperador tenochtitlán, Monctezuma, que verifica no silêncio dos deuses o confirmar dos presságios de que os invasores haveria de submeter a sua gente.

As sequelas da conquista são imensuráveis, desde a redução á quase extinção do povo ameríndio, ao colonialismo com todas suas consequências, o extermínio genocida foi uma realidade concreta segundo mostra (Coll), o que extinguiu por definitivo identidades culturais que, há milênios conviviam neste chão.
Os índios foram subjugados, partindo de uma premissa pré-conceituosa e utilitarísta que legitimava a ganância e avareza do colonizador europeu, que em sua sede de poder e riqueza, por meio de instrumentos como a luxuria, a cobiça, a violência e a arrogância afogou por longos anos esta terra no sangue de seus próprios filhos, que segundo a conveniência do colonizador eram incapazes de se desenvolverem.
Mas, o que é de fato desenvolvimento, senão um conceito volátil que se relativiza a cada olhar, dependendo do ponto de vista e da perspectiva a que se propõe argumentar? Pois bem, o argumento aqui neste trágico contexto, mostra que o desenvolvimento a partir de uma visão que obedece ao modelo eurocêntrico, onde desenvolvimento era crescer baseando-se na cultura europeia, cultura cristã, com todos os pressupostos de uma definição monoteísta com uma temporalidade linear, que tinha princípio, meio e fim e, portanto exigia de cada individuo o cumprimento indelével de sua parte do trabalho de disseminação da boa nova da salvação, para que o reino dos céus se manifestasse em plenitude e essa era a premissa da evangelização de todos os povos da terra. Partindo dessa perspectiva o índio com todo o seu mundo perdeu a aparência edêmica do primeiro encontro e passou a ser visto como uma besta selvagem, passível de toda a generosidade cristã, que só lhe seria outorgada mediante a intervenção do europeu civilizador e para enquadrá-lo nesse modelo, todas as medidas deveriam ser empreendidas onde só foi eficaz o domínio do selvagem através da força e extrema violência, pois o espírito selvagem reagia e dificultava o trabalho.

Os europeus reconheceram, mesmo que indiretamente, a existência da cultura dos índios, isso se mostra visível em muitos momentos da leitura, sobretudo quando os invasores em seus relatos lamentam não poder preservar suas cidades e monumentos, tendo no sitio e destruição destes, o único recurso de avanço e vitória nos inúmeros combates.

No processo de dominação o consentimento para as atrocidades parece ter sido geral: Igreja, Reis, homens de letras, comerciantes, fossem eles espanhóis, portugueses, franceses, holandeses, ingleses, alemães... Com exceção de alguns, a exemplo de Frei Las Casas, que se mostra capaz de em alguns momentos posicionar-se de modo a tentar entender a situação do índio e legar as gerações futuras algum relatos contestadores da narrativa tradicional. Essa homogeneidade conceitual permitiu ao europeu e a cristandade ocidental, praticar horrores contra uma sociedade que detinha milhões de habitantes e que por sua cosmovisão, mesmo sendo superior em quantidade e em domínio geográfico, fadou aos ameríndios o resultado que o mundo conhece como América. Pois quem sabe o que era esse continente antes do genocídio de seus moradores? Tudo que temos desse mundo são resquícios que se perpetuaram no discurso do colonizador e mesmo as memórias e vestígios dos mais genuínos representantes dos ameríndios, são fatalmente matizados pelos signos e códigos europeus que permearam suas resistências quase os extinguindo por completo. Sendo como já fora citado acima, a própria identidade étnica dos remanescentes, uma construção discursiva dos colonizadores que assim os cognominaram, por tomá-los como habitantes da Índia.

E se há ainda remanescentes desta gente ameríndia, com sua diversidade cultural, em nada pode ser entendida como espelho que reflete aquelas comunidades, pois são ainda os ínfimos heróis da resistência, que insistem em se manterem na terra que lhes foi roubada, no sonho que virou pesadelo, na dignidade que lhe foi subtraída, na autenticidade que lhe foi amputada, na vida que lhe foi privada.
A América híbrida, mestiça, nem indígena nem europeia, é ainda a colônia de aventureiros que vêm aglutinar riquezas e poder, violar as mulheres e as culturas e assegurar à vida o domínio da cultura da morte instalada desde o primeiro olhar estrangeiro que pairou sobre este continente. È ainda colônia de indivíduos adestrados sob o relho da tortura, da morte e das violências que os mantém em um estado de torpor que retardam as reações. Reações, que quando acontecem, ainda são vitimadas pelos mercenários deste continente, que continuam a boicotar todas as tentativas de liberdade e reconquista da terra por parte de seus filhos, ainda que não mais legítimos representantes dos antepassados que aqui viveram nos séculos do genocídio praticado pela Europa e suas convicções.

Desde o silêncio dos deuses que operaram o silêncio e a aparente passividade mórbida e mortal do grande rei tenochtitlán, Monctezuma, culminando no saque de suas riquezas, na morte e violação de sua gente, seus templos, seus túmulos, sua religiões e culturas. Este parece ter se tornado o quinhão dos povos ameríndios, que por mais que resistiram e verteram seus sangue e seus sonhos, por amor a seu modo de vida e à sua terra, continuam a vertê-los sob o jugo dos estrangeiros.

As narrativas de Josefina Oliva de Coll são por demais dolorosas ao leitor que é transportado para o contexto onde se desenrolaram os conflitos, desde as Bahamas, local do desembarque europeu até as longínquas paragens do extremo sul do continente sul-americano. E daí por diante em cada reino, em cada tribo, em cada cidade indígena, em que o saque, a rapina, o morticínio e as múltiplas violências, sempre acompanhadas de falsidades e traições de todos os tipos imagináveis são postas como regra constante de mediação e relação com os donos da terra, o fado do ameríndio parece mesmo ser algo determinado por forças estranhas e transcendentais, pois mediante uma encarniçada e contumaz resistência, somada a superioridade numérica e a tantos outros aspectos que poderiam ter dado rumos e desfechos diferentes ao destino do povo ameríndio, tudo concorreu para o enfraquecimento e destruição dos povos da América. Os que não pereceram no combate na tentativa de refrear os invasores europeus pereceram no processo de transmutação cultural, operado pela mestiçagem. México, Cuba, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Chile, Brasil, etc. Cada terra com seus troncos étnicos, suas culturas díspares e similares, apresentam seus heróis anônimos (onde poucos são nominados), sem a gloria de que são dignos ainda hoje, pela sua coragem e bravura, mas, sobretudo por morrerem dignamente sem ceder ao estelionato vil e desumano do anticristianísmo eurocêntrico, que revestido da hegemonia cristã, transmutando preceitos de liberdade, caridade, justiça, salvação etc, em instrumento de legitimação de roubos e genocídios, que atendiam tão somente à suas avarezas, luxurias e ganâncias.

A resistência Indígena paltada nestas narrativas retratam as dores e tormentos impingidos aos ameríndios, cujas sequelas permanecem até a atualidade e cujo desafio do nosso tempo é retomar o diálogo sobre este assunto se baseado nas tão pequeninas reminiscências desta vergonhosa feita humana. Não obstante submeter ao extermínio milhões de seres humanos as narrativas permanece desvirtuando os fatos e dissimulando os acontecimentos, recorrendo aos mais diversos argumentos e justificativas para atenuar os crimes praticados e manter a hegemonia do discurso historicamente solidificado e difundido no tempo, de que fizeram o que podia ser feito, dado o contexto histórico em que estavam inseridos. Longe de tentar refutar esse argumento, dada sua percentagem de aceitabilidade, faz-se necessário reconhecer a nocividade e o mal causado ao mundo e à humanidade como um todo, cujos ecos ainda ressoam fortemente nas politicas imperialistas e práticas hegemônicas deste tempo, onde a auteridade continua a ser um desafio e a diversidade uma ameaça que se extermina ou tenta-se conter com violência e desumanidade, que nos acusa com a mesma eloquência com que acusa nossos antepassados europeus por seus feitos tão bem intencionados e legítimos, nesta América.

A letra da canção liberdade, do cantor Zé Vicente, traduz por meio da poesia a avalanche de emoção, consternação, choque e indignação que o texto pode produzir no leitor.


1. Liberdade vem e canta e saúda este novo sol que vem.
Canta com alegria o escondido amor que no peito tem.
Mira o céu azul, espaço aberto pra te acolher (2x)

2. Liberdade vem e pisa este firme chão de verde ramagem.
Canta louvando as flores, que ao bailar do vento fazem sua mensagem.
Mira estas flores, abraço aberto pra te acolher (2x)

3. Liberdade vem e pousa nesta dura América, triste e vendida.
Canta com os teus gritos nossos filhos mortos e a paz ferida.
Mira este lugar, desejo aberto pra te acolher. (2x)

4. Liberdade, liberdade, és o desejo que nos faz viver.
És o grande sentido de uma vida pronta para morrer.
Mira o nosso chão, banhado em sangue pra reviver.
Mira a nossa América, banhada em morte pra renascer.

Versos que retratam o disparate entre o que se está acostumado a ler sobre esse conflito entre ameríndios e europeus. Pois os ameríndios nem de longe podem ser encarados como passivos e dóceis ao processo civilizatório europeu, uma vez que mostram se donos de uma civilidade tão apurada que contesta a própria civilidade europeia, chegando a impressionar àqueles que invadem o continente.

Se de modo fadário parece, que a passividade de Monctezuma legou aos povos ameríndios o genocídio e o europeísmo, no pragmatismo dos protagonista do conflito, todas as barbadidaes e atrocidades cometidas pelos invasores europeus encontraram resposta à altura do desafio. E se os armamentos bélicos, e as técnicas de guerra, bem como a leviandade e vileza da civilidade europeia foram incompatíveis com a refinada cultura e civilidade ameríndia, desequilibrando a disputa em favor dos europeus, não é justo atribuir ao ameríndio a fraqueza e inferioridade que se pressupõe por terem sido duramente massacrados. Pois que seu modo de vida, sua religião e cultura, configuravam um universo civilizado que os europeus estavam longe de desenvolver e que o mundo hoje ainda não (re)conhece precisando muito se dedicar a garimpar nos resquícios dessas civilizações, respostas para o mundo moderno tão conflitante com o outro e mais do que nunca com o mundo natural. Chegando a ameaçar a própria manutenção da espécie humana, pelo modelo avaro, luxurioso, violento, excludente e destrutivo que ainda regula as relações dos homens uns com os outros e com o meio natural.

A obra da Antropóloga Josefina Oliva de Coll, faz-se indispensável a qualquer leitor que deseje adentrar por um viés outro no discurso que discorre sobre a conquista da América, sendo suficientemente autónomo na construção de uma visão inovadora do que foi o embate entre europeus e ameríndios no século da invasão europeia e séculos posteriores. Associado a outros conhecimentos aumenta o potencial de análise das realidades sócio-cultural, politica e econômica desse mundo globalizado que tem suas raízes fincadas na expanção maritima do séculos XIV e XV, que foram as bases preliminares para o desenvolver de muitos dos acontecimentos que trouxeram o mundo ao seu estado contemporâneo.



REFERÊNCIAS

COLL, Josefina Oliva de. A resistência indígena: do México a Patagônia, a história
da luta dos índios contra os conquistadores. Porto Alegre: L 8. Pm Editores, 1974.

TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. A Questão do Outro. SP: Martins Fontes, 1998.

O Encobrimento do Outro

Como agente e construto histórico é comum que o indivíduo encare a sua realidade como natural e raras vezes, senão provocado por algum fator específico ele volva o seu olhar para a realidade onde está inserido, para questionar as muitas faces que esta lhe apresenta. Este fato se verifica com certa clareza quando o leitor aplica-se em problematizar textos que lhe despertam para um viés desta realidade que até o momento ele ignorava. Abordando o fragmento do texto de Fernández de Los Rio, nos apêndices um e dois do livro el encobrimiento del outro hacia el origen del mito de la modernidade é possível surpreender-se por exemplo com a naturalização de termos que se difundem e trazem em sí significados que são múltiplos pois ao se tornarem usuais, estes termos não perdem seu significado genético, mais vão aglutinando significados tornando se muitas vezes de difícil compreensão. Nestes apêndices o texto traz a vontade do autor de desconstruir a naturalidade de conceitos como: bárbaro, Europa, europeu, ocidente, oriente, civilização e por fim o grande discurso que ele aborda em desconstrução que é o conceito de modernidade/pós-modernidade.

O que comumente se-parece perfeitamente significativo pode ser completamente sem o significado comum com o qual é aplicado. Assim partindo do movimento semântico das palavras o autor aprofunda-se em episódios históricos, históriografiados como verdades sólidas da trajetória humana e seu modo díspar de contar o tempo e desenvolver a sua consciência histórica.

Aos agentes da história de cada tempo todos estes conceitos são apreendidos como verdades naturais e só com o empenho em aprofundar-se na pesquisa da história do homem e seus construtos pode-se perceber que os conceitos são também parte destes construtos e que como tais respondem as necessidades daqueles que os construiram no seu contexto genético e que a evolução semântica que as palavras carregam ganhando uma infinidade de sinonímia, é resultado de uma constante releitura ou reinterpretação dos fatos ou ainda uma reelaboração do discurso acerca do fato abordado. E embora haja toda essa mutação comum aos fatos ou ás abordagens, sempre permanece algum vestígio do que foi a leitura anterior isso se faz em função da continuidade que permeia todo processo de ruptura.

Portanto o discurso de moderno e pós-moderno tanto quanto os conceitos de bárbaro, Europa civilizada, de ocidente e oriente são instrumentais de um arcabouço complexo que sempre esteve no bojo de uma ação comum a todos os povos da história humana, qual seja a negação do outro, a tentativa de eliminar, encobrir o outro, quer por um ideal particular ou globalizado/globalizante a imagem do outro sempre passou por essa práxis do encobrimento e estes termos e conceitos são balizas que procuram marcar o tempo e os agentes e construtos históricos de determinado período, o que pode ser compreendido como estágios de evolução intelectual do ser humano, ou pelo menos se propôe como essa possibilidade. Tanto como maturação, justificativa á práxis da violência irracional, a modernidade é discurso de indivíduos inseridos num tempo específico que encontram ferramentas que os possibilitam a atribuir um sentido racional a sua práxis legitimando suas ações. E se por um lado somos tão próximos dos tempos passados pelas reminiscências, por outro somos lhe completamente estranhos, pois seus significados estão perdidos irremediavelmente, tendo o coevo a sustentar-se em releituras e interpretações do que sobrou destes tempos para assim dar continuidade ao movimento histórico feito de rupturas e de continuidades, de abordagens e mais abordagens na ânsia de resignificar o conjunto que compõem as realidades das coisas a fim de se orientar e assim melhor interagir no mundo e com o outro, esse eterno estranho no qual reconhecemos a semelhança e por alguns motivos diversos encobrimos para dessemelharmos de nossa concepção de nós mesmos. Talvez isso se projete de tal maneira por que em tese nos estranhemos a nós mesmos e o ferramental que a tradição nos lega mostra se insuficiente para preencher a crise humana interior que não lhe permite reconhecer-se senão no outro e por isso mesmo à necessidade de negar o outro de encobri-lo.

O discurso da modernidade é o responsável pela forma do mundo se apresentar esteticamente e estruturalmente. O imaginário do individuo atual é resultado desse discurso que aproximou os continentes do planeta sob seus auspícios adotanto sempre a negativa do outro e o seu encobrimento como metodologia de dominação e formatação de uma civilização hegemônica e modelar que se mostra a cada dia mais fragmentada e díspar. Numa infinitude de modelos, onde os contrastes depõem contra o discurso da hegemonia globalizante.

Quando o texto chama para a observação da Europa central onde o resto do mundo é a sua periferia, angustia-me notar o quanto somos nesse tempo, a mortalia que encobre o outro que nos antecedeu, o quanto esse mundo tal qual estamos habituados a conceber como natural é o resultado da superficialidade de tantos outros discursos de hegemonia, que se fundaram na superioridade cultural, religiosa, racial etc. e o desejo de acessar o diverso encoberto sufoca minha estética moldada por tais discursos, assim nessa inquietação volto à minha crise interior, como percebo que quis o autor, ao provocar tais inquietações no leitor, perguntando o que somos de fato e como de fato é, esse mundo que parece tão familiar, natural e estranho.


FERNÁNDEZ, De Los Rios. 1492 El encobrimiento del outro hacia el origen del mito de la modernidade.vozes. Petropolis. Rio de Janeiro.

Kiko di Faria

Olhar Europeu - sobre o "outro"

A partir dos relatos de viajantes conseguimos criar condições para análise histórica do momento que se segue diante das “grandes descobertas marítimas”. No entanto, vale ressaltar que esses relatos europeus nos fornecem uma visão distorcida do que realmente seria esse “outro”. Observamos diante de diferentes relatos, uma contraposição, seja por fatores geográficos ou pelo próprio contexto que os viajantes se encontram. Por muitas temos compreensões, desses viajantes, distintas que nos remete, a um olhar europeu diante do outro.

Com isso, temos dois bons exemplos. Na visão de Colombo:
"Tão afáveis, tão pacíficos, são eles, que juro a Vossa Majestade que não há no mundo uma nação melhor. Amam seus próximos como a si mesmos, e sua conversação é sempre suave e gentil, e acompanhada de sorrisos; embora seja verdade que andam nus, suas maneiras são decentes e elogiáveis.”
 Ou também na visão de Cabeza de Vaca, em relatar a forma como ele e os espanhóis foram recebido diante do cabo de Flórida:


“Não houve um de nós que não ficasse ferido. (...) Caíram sobre nós com pedras, fundas, varas e algumas flechas embora não tivessem três a quatro arcos”.

Diante dos dois relatos, distinto por estarem em geografia e contextos diferentes, ainda sim surge à dúvida dessa contraposição e diferença entre a forma como o branco é recebido. Sendo o mais breve possível percebemos que tanto em Colombo quanto em De Vaca as intenções da conquista estão previamente definidas, tanto um quanto o outro vem de uma estratégia de conquista. A diferença, no entanto, nos remete que De Vaca foram recebido mal porquê, como Josefina em Resistência Indígena afirma: A Florida passa a ser uma terra inconquistável. Portanto, uma tentativa de se explicar essa recusa dos índios na Florida aos homens brancos, é compreendendo o contexto que Resistência Indígena, nos propõe. A obra nos informa que os índios daquelas terras foram traídos por outros europeus antes da chegada de Cabeza de Vaca, passando a terem uma recusa diante desses europeus.

É na busca e na analise de diversas fontes, que se fundamenta o conhecimento histórico em busca, de não se torna refém apenas da visão européia mais, também em perceber que: "A tal gente pintada que berrava é um povo altivo, nobre, com uma cultura própria, que só entra em guerra defendendo o direito de viver nas terras que sempre foram suas." Portanto, é na busca por vestígios, signos, que encontramos nos relatos europeus detalhes que nos faz perceber o outro como ser-humano.


Por Victor Barbosa