sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Considerações sobre:
Paraguai e Uruguai de 1870 a 1930

Paraguai e Uruguai são dois países da região platina marcados por diversos conflitos. Tanto no campo político-partidário quanto cívico entre outros. Estes sofreriam entre o final do século XIX e início do século XX diversas transformações. Desde o conflito bélico da Guerra do Paraguai e suas conseqüências, a intromissão brasileira e argentina em assuntos internos, períodos de estabilidade político, relativo crescimento econômico, dependência do capital estrangeiro até os reflexos da Primeira Guerra Mundial e a Grande Depressão.

As disputas por supremacia – Brasil e Argentina – na região impactaram diretamente nos respectivos países. O império brasileiro, consideravelmente estável após o fim das revoltas internas, vislumbra aumentar sua influência. Inclusive por intervenções. Feito a ofensiva contra Oribe e Rosas. A Argentina, liderada por Juan Manuel Rosas, se colocava, também, com intentos intervencionistas. Manuel Oribe, ministro da guerra Uruguai, pretendia a manutenção de um aliado no governo para consolidar a supremacia argentina na região do Prata. Tais ações desaqueciam os anseios brasileiros. O Brasil se aliou aos opositores nos dois países para derrubar o ditador argentino em 1852.


Após a matança sem precedentes da Guerra da Tríplice Aliança os aliados Brasil e Argentina retomariam certas rivalidades. A mais prejudicada, a República paraguaia, jamais se recuperaria do desastre militar de decorrências catastróficas: sua população masculina foi praticamente dizimada e metade de seus habitantes mortos (de 221 mil sobreviventes apenas 28 mil eram homens), ainda a ocupação aliada, intromissão estrangeira, cofres vazios e economicamente arrasada. A destruição da economia foi de tal manta que o país apenas recebeu de forma matizada o impacto que teve na consolidação das economias agroexportadoras da Argentina e do Uruguai, a introdução de fatores produtivos como a imigração européia e os capitais estrangeiros.

Quanto ao Uruguai tradicional, caracterizado dentre outros aspectos pelo comércio de gado e pelo caudilhismo possuía transportes mais ágeis, favorecido pela mobilidade de sua principal mercadoria (gado), pelo uso de barcos a vela e a vapor no rio Uruguai (beneficiou a comunicação com a capital). Era extremamente dependente do comércio e com poucas desigualdades e tensões sociais. “Ao contrário, sob alguns aspectos [...] destacava-se numa América Latina caracterizada no século XIX por classes sociais fortemente diferenciadas”. Mas, por outro lado, a luta civil também era endêmica. Coberto por disputas dos partidos Colorados e Blancos. Ao mesmo tempo, tal qual o Paraguai sofrera com a intromissão do Brasil e Argentina na política interna. Parceiros na guerra da Tríplice Aliança. Conflito que favoreceu alguns comerciantes, muitos estrangeiros. Para o Uruguai as repercussões da guerra foram menores, apesar de a situação nesse país ter sido o elemento catalisador das contrações que levaram ao conflito .

Nessa perspectiva ainda, no Paraguai do pós-guerra a nova Constituição promulgada deveria inviabilizar qualquer forma de ditadura. Porém, perenes articulações implicariam graves tensões; como o assassinato do governo Juan Batista Gill em 1877 e a tomada do poder pelo general Caballero. Vale ressaltar, nos dois países o elemento decisivo encontrava-se no Exército. Da mesma forma, a manutenção colorada uruguaia contava com respaldo militar. No Paraguai, o partido também conhecido como colorado se manteria ininterruptamente no poder de 1880 a 1904. Com o golpe militar a estabilidade política seria dissolvida e os acentuados problemas sociais do povo seriam margeados.

A oposição paraguaia formou-se, primeiramente, como partido oficial com a Associação Republicana Nacional. Contrários ao governo Caballero e seu partido colorado (contrário ao centro Democrático, tido como partido Azul). Embora houvesse um contraste político partidário essas correntes possuíam muitos interesses em comum. Ao Uruguai o advento da oposição foi acompanhado por fortes coerções. O aparecimento de uma frente oposicionista composta das facções ‘legalistas’ dos blancos e colorados provocou uma reação autoritária do general Máximo Santos levando-o a uma demasiada repressão. A imposição do governo militar, no qual Santos era o segundo a exercer o poder, afastou também os principistas, grupo que se separava dos partidos tradicionais, constituído basicamente por jovens intelectuais, provenientes de famílias antigas, já não mais tão ricas como dantes. “Guiados por um liberalismo doutrinário extremado [...] defendiam ardorosamente um ordem legal baseada em idéias e modelos europeus na qual eram fundamentais a desconfiança do Estado e uma crença arraigada nos direitos do indivíduo.” Entretanto, com Santos o militarismo não conseguiria sobreviver a prosperidade que o mesmo contribui para fomento da modernização do país.

No Paraguai o presidente civil Juan Gualberto Gonzales cai (1894) traído pelo exército para subida de Juan Bautista Egusquiza. Este último tentara conciliações entre os moderados dos respectivos partidos. Mas, tal como outros, passaria por crises sucessórias devido ao desenho da constituição (não permitia reeleição) e outros. Nos anos 1904 a 1923 o liberalismo e a anarquia protagonizaram. Antigas brigas, nunca totalmente solucionadas reacendiam, com políticas de abstencionismo por parte dos colorados. Sempre com cortejos ao Exército. Em contraste o Uruguai tentava amenizar seus transtornos com a política de co-participação.

O batlismo, contributo à consolidação democrática, dominava a vida política uruguaia no período. José Batlle y Ordónez, desde sua primeira eleição em 1903 até sua morte em 1929, controlou a política no Uruguai. Sendo um personagem relevante para modernização do país por meio de suas reformas. Além de atuar de modo avesso aos regimes trabalhistas autocráticos da época, ao apoiar as reivindicações da classe média e trabalhista. Trouxe uma pacificação incontestável, apesar das insatisfações blancas. Os membros da elite dirigente, conhecidos como batlistas, “eram orientados por uma ideologia de cunho reformista e modernizador forjada nos últimos trinta anos do século XIX nas salas de aulas do Ateneu de Montevideu e nos círculos jornalísticos da capital uruguaia” . Ao mesmo tempo, os batlistas não estiveram isentos de revoltas.

Novas e velhas abstinências seguiam-se no Paraguai. Manuel Gondra, dos radicais, assumiu o poder por um breve momento, até novo golpe derrubá-lo, envolvendo em desordem o país. Quando as eleições foram realizadas em 1910 os colorados e cívicos se abstiveram, de tal modo que os radicais elegeram seu candidato, sem oposição. “A primeira administração de Gondra tinha apenas dois meses quando de repente o coronel Jara se insurgiu e afastou-se do cargo. O golpe desencadeou um dos períodos de anarquia na história do Paraguai. Era questão de tempo a derrubada de Jara.” Desta vez o general chefe do exército tão importante em outrora seria desconexo da cena política. Em julho, um segundo levante, chefiado por uma coligação de cívicos e colorados, impetraria afastá-lo do poder.

Liberato Rojas e Eduardo Scharer adotaram posturas diferentes de seus antecessores. Foi um período de relativa estabilidade. De benefícios pela demanda da Primeira Guerra Mundial. Com novas eleições viria a figura de Franco (1916) que efetuou reformas relevantes de caráter eleitoral. Sua morte súbita levaria também os “bons tempos”. Sopravam novamente os ventos fortes de intrigas políticas, tramóias, renúncias, esquemas e exílios. De mesmo modo, a economia uruguaia cresceu com a demanda da Grande Guerra. Favorecendo a modernização do país (período de forte migração estrangeira, fato que por muito a via cessado). Tal crescimento se dava principalmente pela indústria frigorífica, o capital estrangeiro e a pecuária. Mesmo com certa “industrialização” no período as economias platinas permaneceram agrárias. A estrutura fundiária não modificou, uma vez que se manteve a propriedade latifundiária.

A Primeira Guerra e a crise financeira de 1929 repercutiram diretamente nas economias dos países latino-americanos. Inclusive debruçaram-se sobre fatos inéditos: a dificuldade de importação de produtos europeus e estadunidense e o dever de nutrir o mercado interno. Muitos se beneficiaram com a necessidade de abastecimento da Europa no período. Já com a crise foi preciso incentivar o processo de fabricação de bens de consumo. A crise de 1929 lançou as economias latino-americanas ao colapso. O volume do comércio internacional diminuiria fortemente, os investimentos estrangeiros faltos, as importações dos mais variados produtos dificultadas. Essa conjuntura acumularia falências, desemprego e reduções salariais.

Revoluções e ditaduras estabeleceram-se em um contexto de persistência de uma economia agroexportadora majoritariamente dependente da área central do capitalismo. A questão social permanecia problemática no Uruguai e Paraguai. No entanto esse último tivera que lidar ainda com intrigas diplomáticas e o tratamento da Guerra do Chaco (1923-1932). Gondrista de ponta, Eusebio Ayala, eleito interinamente tinha problemas –feito a condição de miséria da população, a ameaça externa vizinha e a permanente questão agrária. Foi importante no processo das eleições, inclinado à realização seguinte a seu mandato de uma disputa presidencial inédita no país. Outros problemas tinham o Uruguai, reformas limitadas, a questão da co-participação, exigências e propostas trabalhistas cada vez mais intensas.

Nas Américas, na óptica de Hobsbawm, as instituições políticas adequadamente democráticas no período entreguerras a situação seria mais confusa, mas não chegava a sugerir um avanço geral das instituições democráticas. A lista de Estados consistentemente e não autoritários no hemisfério ocidental era curta: Canadá, Colômbia, Costa Rica, os EUA e a hoje esquecida “Suiça da América Latina”, o Uruguai. Conhecido como suíça “sul-americana” devido sua estabilidade política e outros aspectos se comparada aos americanos do sul. Já O Paraguai acostumado a golpes, disputaria a região do Chaco com a Bolívia. Seus governantes foram atormentados pela quebra do orgulho paraguaio com a humilhação proveniente de um tratado com os bolivianos. A tensão não cessa, a guerra chega dopada de sangue. Mas, inacreditavelmente , o Paraguai venceria desta vez. Locais, regionais ou globais, as guerras do século XX iriam dar se numa escala muito mais vasta que qualquer coisa experimentada antes. Uma das que mais vitimou foi a Guerra do Chaco 1932-5; estando inserida na era do massacre inaugurada em 1914.

Para o cientista político francês Olivier Dabène as razões que estimularam estes países isolados e pobres ao conflito bélico residem principalmente em uma ordem histórica e econômica . Sob sua perspectiva, Paraguai e Bolívia abrigavam um sentimento nacionalista herdado das derrotas nas guerras. A guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) foi desastrosa para o Paraguai e a guerra do Pacífico (1879-1886), por outro lado, fez com que a Bolívia perdesse o acesso ao mar, cuja recuperação se converteu, durante muito tempo, numa obsessão. Somavam-se ainda as demarcações fronteiriças mal delimitadas na grande planície do Chaco (600.000 Km²).

Tal período, 1870 e 1930, tangencia tempos de relativa prosperidade material, certa estabilidade uruguaia e quase sempre instabilidade paraguaia no campo político. As disputas hegemônicas paraguaias postas em jogo, mesmo entre partidários distintos nutria-se de ambições semelhantes. Em tese sua Constituição deveria privar formas ditatoriais, mas copiosos golpes foram deferidos. Mesmo Ayala, vitorioso na guerra contra a Bolívia sofreria um golpe em 1936, sob liderança do general Rafael Franco. Nem os “bons tempos” modificariam os quadros de pauperismo e a estrutura fundiária, mantinham-se os latifundiários. Acerca da Guerra do Chaco “ambos [Paraguai e Bolívia] os países saiam da guerra extremamente debilitados e sob ditaduras empenhadas em reconstruir a vida política nacional e em responder pela força à mobilização social, que, como nos demais países significava uma ameaça.” Por outro lado a década de 30 começa com ondas de medidas reformistas no Uruguai. Com intervenções de Estado no mercado de gado, a intensificação dos anseios por salário mínimo, pensões e direitos trabalhistas. Todavia, acordos oportunistas não mais dariam cabo diante de grupos sociais e políticos antagônicos. Tensões políticas se acirraram favorecidas pelas repercussões internas de 1929 (o Paraguai teve os efeitos da depressão limitados posto que sua população era amplamente camponesa) que acentuou a dependência dos estadunidenses. O golpe não tardaria, iniciando em 1933 a denominada Dictadura de Gabriel Terra. Todavia, permaneceriam os colorados no poder até 1973.

Fernando Teixeira


Bibliográfia:
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SOUZA, Marcos Alves de. A cultura política do “batlismo” no Uruguai: 1903-1958/ São Paulo: Fapesp, 2003.
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HOBSBAWM, Eric. Era do extremos: O breve século XX 1914-1991: trad. Marcos Santarrita/ São Paulo: Companhia das Letras, 1995
DABÈNE, Olivier. América Latina no século XX/ trad. Maria Izabel Mallmann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003