domingo, 15 de maio de 2011

Pois o crime maior do homem, é ter nascido!


Ai de mim! Ai pobre de mim!

Que estou a Deus a entender que crime cometi contra Vós?
Pois se nasci, entendo já o crime que cometi. Aí está motivo suficiente para Vossa justiça, Vosso rigor. Pois o crime maior do homem, é ter nascido!

Para maiores cuidados, só queria saber que outros crimes cometi contra Vós, além do crime de nascer. Não nasceram outros também?
Pois se outros nasceram, que privilégios tiveram que eu jamais gozei?

Nasce uma ave, embelezada por seus ricos enfeites. Não passa de flor de plumas, ramalhete alado, quando veloz cortando os salões aéreos recusa piedade ao ninho que abandona em paz.
E eu, tendo mais instinto, tenho menos liberdade?

Nasce uma fera, Com uma pele respingada de belas manchas, que lembram estrelas. Logo, atrevida, feroz, a necessidade humana lhe ensina a crueldade! Monstro de seu labirinto!
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade?

Nasce um peixe, aborto de ovas e lodo, enfeita um barco de escamas sobre as ondas. Ele gira, gira, por toda a parte, exibindo a imensa liberdade que lhe dá um coração frio!
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade?

Nasce um riacho, serpente prateada, que dentre flores surge de repente, de repente. Entre flores ele se esconde, e como músico celebra a piedade das flores que lhe dão um campo aberto á sua fuga!
E eu, tendo mais vida, tenho menos liberdade?

Assim, assim, chegando a esta paixão um vulcão, qual Etna, quisera arrancar do peito pedaços do coração!

Que lei, justiça ou razão, pode recusar aos homens privilégios tão suaves e sensação tão única! Que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera, a uma ave?


Interpretado por Dan Stulbach no filme Tempos de Paz.

3 comentários:

  1. A arte da interpretação do teatro...
    Enquanto alguns tem a genialidade da produção de musicas, versos, humor outros simplesmente interpretam... Podemos remeter a interpretação a um contexto sublime de vontade em ser livre.

    Tantos outros seres: a ave, o peixe, a fera. o riacho... por que Deus não sou livre? Pois tenho mais alma, tenho mais escolha, tenho mais instinto TENHO MENOS LIBERDADE!

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  2. De fato a interpretação dá vida à composição seja textual, musical etc. Mas há composições, que são de tamanha eloquencia que se interpretam a si mesmas, ateiam fogo no ator interior de cada um e faz com que qualquer indivíduo o interprete sublimemente.
    O texto Acima, tem um poder de chacoalhar a essencia humana adormecida na matéria, entorpecida no cotidiano e obriga-la a visitar o cérebro, o emocional e ainda que melancolicamente verter-se em saudade...
    Uma saudade doída e sem uma visivel justificativa que reduz a insignificância nossa prepotencia de superioidade, de imagem e semelhança de uma perfeição idealizada. Quando na mais bruta e seca verdade constatada somos pequenos, fracos e prisioneiros de nós mesmo. Pensamo-nos com poderes inumeros e potencialidades infinitas, e somos mais presos, mais escravos, e mais infeleizes doque gostariamos...

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  3. realmente, um belo filme e texto.
    a liberdade que temos, se transforma na mesma liberdade que nos prende.
    quanto mais liberdade, mais temos de ter cuidado, para nao invadirmos espaço de outros que também gozam da mesma liberdade.

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