sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mémorias da Segunda Guerra, com Theodore Van Kirk

Caros leitores, nessa postagem o blog Bomba-H, apresenta uma matéria retirada de outro site, denominado de Geneton. Todos devem visitar o site, pois como essa matéria, existem ainda muitas outras curiosidades e textos super interessantes. A entrevista foi realizada pelo jornalista Geneton Moraes Neto ao piloto do Enola Gay – o avião que conduzia a primeira bomba atômica usada numa guerra, em agosto de 1945, fator decisivo para o fim da segunda guerra mundial. Theodore Van Kirk revela detalhes daquela madrugada em que teve que sacrificar milhões de japoneses por um “bem maior”, o fim da grande guerra. Tal fator nos insere num debate não só ético, mas principalmente para nós historiadores, um debate sobre a memória de um dos maiores eventos do século XX e da experiência humana.

THEODORE VAN KIRK, NAVEGADOR DO AVIÃO QUE JOGOU A BOMBA ATÔMICA EM HIROSHIMA

O HOMEM QUE PARTICIPOU DAQUELE QUE JÁ FOI CONSIDERADO “O MAIS VIOLENTO ATO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE” - O LANÇAMENTO DE UMA BOMBA ATÔMICA SOBRE A CIDADE DE HIROSHIMA, NO JAPÃO – DIZ QUE HOJE SE LEMBRA DAS VÍTIMAS “UMA VEZ POR MÊS,EM MÉDIA”

Eis um dos cavaleiros do apocalipse: um homem de oitenta e dois anos colhe peras no pequeno pomar que cultiva no jardim de casa, num subúrbio de São Francisco, Califórnia. Oferece-me a fruta. “É boa e doce”. Faz sol. O azul escancarado do céu só é maculado pelo rastro deixado por um avião a jato.

Enquanto saboreia a pêra que acabou de colher, ele se dirige, a passos lentos, para uma cadeira na beira da piscina. Os raios de sol acentuam a brancura dos cabelos ralos. O pomar em casa e o conforto sugerido pela piscina podem dar a impressão de que o homem que colhe peras é um milionário. Não é. O homem que colhe peras é apenas um militar aposentado.

A biografia deste octogenário não seria diferente da de tantos outros veteranos de guerra se ele não tivesse levantado vôo, na madrugada de agosto de 1945, a bordo do Enola Gay – o avião que conduzia a primeira bomba atômica usada numa guerra. Ao embarcar no Enola Gay, Van Kirk entrou para a História – para o bem e para o mal.

Os que criticam o uso da arma atômica chamam os militares que participaram do ataque de mensageiros da morte. Os que encontram uma justificativa histórica chamam-nos de guerreiros da paz. A polêmica durará séculos.

A missão que Theodore Van Kirk cumpriu há seis décadas mudou a história da humanidade. Todos os superlativos já foram usados para descrever a enormidade do ataque nuclear a Hiroshima. “Aquele foi o ato mais violento da história da humanidade, mas trouxe um fim para a Segunda Guerra” - diz Bob Greene, autor de um livro recém-lançado, “Duty: a Father, His Son and The Man Who Won The War” - um jornalista que desde criança era fascinado pela Missão Hiroshima.

Que fantasmas povoam hoje os dias calmos deste homem ?

Se ele não tivesse embarcado há meio século para a Missão Hiroshima , certamente não teria o descanso dos seus dias de aposentadoria quebrado pela impertinência de repórteres que o procuram para tirar velhas dúvidas.

É o que faço agora. Van Kirk nos recebe com um sorriso largo , uma pergunta bem-humorada (“vocês conseguiram chegar ? Pensei que tinham ficado presos no engarrafamento !”) e a disposição de abrir o armário onde se escondem os fantasmas de Hiroshima.

Pergunto se ele levou algum objeto pessoal quando embarcou no vôo histórico. Van Kirk me surpreende com a resposta: o único “objeto pessoal” que ele levou a bordo do avião que carregava a bomba atômica foi uma Bíblia. Se precisasse de conforto espiritual durante a Missão, poderia recorrer àquela pequena relíquia familiar:

- A única peça pessoal que carreguei comigo foi uma Bíblia – que eu tinha recebido de minha mãe e de meu pai. Era pequena. Cabia no bolso. Durante o vôo, eu me lembro de ter tocado a Bíblia com a mão. Mas não cheguei a ler nenhuma passagem. O exemplar da Bíblia não tinha meu nome, nada que pudesse identificar quem eu era. Se o avião por acaso fosse derrubado em território inimigo, os japoneses não poderiam me identificar pela Bíblia. Terminei perdendo-a, tempos depois.

Além do pequeno exemplar da Bíblia, Van Kirk carregava consigo uma pistola automática – que poderia ser usada numa situação extrema:

- Não havia rifles a bordo. Mas cada um de nós tinha uma pistola automática, calibre 45. Carreguei uma comigo, na missão rumo a Hiroshima. Se fôssemos derrubados sobre território japonês, poderíamos usar as pistolas para nos proteger ou – Deus nos livre – para destruir a nós mesmos, se necessário (Van Kirk evita a palavra “suicídio”). Mas, se algo desse errado na missão, a cena seria tão catastrófica que teríamos pouca chance de usar as pistolas.

Ninguém participa impunemente de uma missão tão devastadora.

Van Kirk orgulha-se de ter contribuído para o fim da guerra. É um fato histórico indiscutível. O uso das armas atômicas – primeiro, em Hiroshima e depois em Nagasaki - obrigou o Japão à rendição incondicional . Se o Japão continuasse em guerra, seria invadido por terra. O número de mortos poderia ter sido maior do que o causado pelas bombas – dizem os estrategistas. Mas o preço do uso das armas atômicas foi altíssimo. O horror causado pelo cogumelo atômico jamais se dissipou. Calcula-se que cem mil pessoas tiveram morte instantânea, nos dez segundos seguintes à explosão. As cicatrizes deixadas pelas explosões atômicas vão atravessar os tempos.

Que tipo de pensamento terá passado pela cabeça de Van Kirk quando ele viu Hiroshima pela primeira vez, ainda a bordo do Enola Gay?

Van Kirk faz uma pausa, reconstitui o cenário do apocalipse:


- Era um dia perfeitamente claro. A gente podia ver a cidade a milhas de distância. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a de que nossa missão tinha sido bem sucedida: nós tínhamos encontrado a cidade, cumprimos os horários previstos, tudo estava perfeito. O primeiro pensamento que tive depois da explosão da bomba foi de alívio. Porque aquilo era algo que tinha exigido um treinamento que durara meses. O segundo pensamento que tive foi: a guerra acabou!
A História dos tempos de guerra não é feita apenas de ordens militares grandiosas e decisões sem rosto. Há sempre alguém que cumpre as ordens. As decisões tomadas no Salão Oval da casa Branca pelo Presidente dos Estados Unidos podem exigir - por exemplo – que um grupo de militares entre num avião de madrugada, invada o espaço aéreo japonês, mire numa cidade lá embaixo e abra as comportas para que seja lançada, naquele alvo povoado por homens, mulheres e crianças, a arma mais mortífera já concebida pelo homem- uma bomba atômica.

O avião Enola Gay levanta vôo da ilha de Tinian, no Oceano Pacífico, às 2 e 45 da manhã de seis de agosto de 1945 rumo a Hiroshima, com doze homens – e uma bomba atômica a bordo. A bomba explode às 9h16. Cem mil pessoas morrem instantâneamente na explosão. O número de vítimas chegaria a 145.000 no final de 1945.

"Numa cidade de 245 mil habitantes, cerca de 100 mil haviam morrido ou iriam morrer em breve; outros 100 mil estavam feridos. Pelo menos 10 mil feridos se arrastaram até o melhor hospital de Hiroshima, que não tinha condições de abrigá-los, pois contava apenas seiscentos leitos e todos já estavam ocupados”, diria o jornalista americano John Hersey em "Hiroshima", texto clássico sobre o bombardeio.

“Nuvens de fumaça, próximas e distantes, despontavam pouco a pouco por entre a poeira. O reverendo se perguntou como um céu silencioso ter causado tanta destruição (...) Zonzos de dor, erguiam os braços, como se carregassem alguma coisa com as duas mãos. Alguns vomitavam, sem parar de andar. Muitos estavam nus ou envoltos em farrapos”

A Missão Hiroshima foi o momento mais grave vivido por Van Kirk. Mas, para decepção dos fanáticos por guerra, ele constata:

- A guerra é mais interessante na TV do que na vida real. Guerra pode significar cinco minutos de extrema atividade – e um ano de monotonia....

Não havia lugar para monotonia a bordo de um avião que voava rumo ao Japão para cumprir uma missão que – não é exagero dizer - entraria para a história da humanidade:


- Havia a possibilidade de a bomba explodir no avião, o que seria desastroso. Poderíamos ter problemas no motor. Nós estávamos preparados para o pior – que, felizmente, não aconteceu. Não estávamos preocupados com os japoneses durante o vôo em direção a Hiroshima, porque sabíamos que eles não tinham como nos alcançar naquela altitude – confessa Van Kirk . Mas sabíamos que nosso avião seria atingido por ondas provocadas pelo deslocamento de ar, depois da explosão. Disseram-nos que, depois da explosão, iríamos sofrer o impacto. Houve até especulações sobre o risco de a explosão atingir o nosso avião. De volta à base, cheguei a ouvir de um dos cientistas o seguinte: “Quando vocês partiram para a missão, pensei que aquela seria a última vez que eu os veria....”. A turbulência durou pouco. O vôo de volta pôde continuar.

O calor que se espalhou por Hiroshima e Nagasaki era o de “mil sóis”. Seres humanos “se desintegraram sem deixar qualquer vestígio”. O inferno se instalou na terra. O grande paradoxo é que tanta destruição foi cometida – em última instância - em nome da paz – para acabar com a guerra. O Japão se rendeu. A Segunda Guerra Mundial acabou ali. Mas Hiroshima e Nagasaki entraram para sempre na História como provas de que o homem é tecnicamente capaz de destruir a vida sobre a terra. Basta tomar a decisão.

“Os cientistas tinham dito que a temperatura no centro da explosão seria mais forte que a do sol – diz Van Kirk. Quando a bomba explodiu lá embaixo, nós já estávamos nos afastando de Hiroshima. Não havia janelas na parte traseira do avião. Usávamos equipamentos para proteger nosso olhos. Ainda assim, pudemos ver um clarão parecido com o de um flash fotográfico numa sala escura. Hiroshima estava inteiramente encoberta por uma fumaça negra e por poeira. Não se via a cidade. A nuvem que se formou tinha várias cores: eram tons de cor púrpura, rosa, branca – todos os tipos de cores".

A visão era bonita? – pergunto ao navegador.
“Não se pode chamar algo assim de belo. Era algo mais horrível do que bonito”.

Adiante, ele aprofunda a descrição:
- Minha primeira reação, ao ver as primeiras imagens de Hiroshima, foi de surpresa: como aquilo tudo pôde ser feito com apenas uma bomba? Aquilo reforçou a nossa certeza de que não havia meio de os japoneses resistirem a uma arma daquele tipo. O Japão iria se render logo depois.


O que é que a palavra Hiroshima significa hoje para este homem?
“Para mim, Hiroshima significa, hoje, a ressurreição de uma cidade que foi destruída”, diz Van Kirk. “Hiroshima é também a prova de que o homem pode corrigir seus erros. Não é que a bomba atômica tenha sido um equívoco. O bombardeio foi perfeitamente legítimo como ato de guerra. A população de Hiroshima é hoje devotada à paz. É uma mensagem que vai para todo o mundo”.

Que resposta o navegador do Enola Gay dá, hoje, aos críticos da Missão Hiroshima, gente que condena o uso de armas atômicas?
 - Críticos da missão atômica não entendem a situação que se vivia naquele momento específico e qual a alternativa que existia ao uso da bomba. O que aconteceu é que a bomba salvou vidas. Se não tivéssemos jogado a bomba, a guerra não teria terminado em agosto. Teria se estendido por um, dois meses. Durante este período, o Japão estaria exposto a um horrível bombardeio – com grande perda de vidas. Embora tenha havido uma horrível perda de vidas em Hiroshima – e também em Nagasaki – a alternativa seria pior : basta levar em conta o número de vidas que teriam sido perdidas se a guerra continuasse.

Ao contrário do esperado, o Japão não se rendeu depois da explosão da bomba em Hiroshima. Os Estados Unidos decidem,então, lançar uma segunda bomba atômica. O alvo era a cidade de Kokura. Mas, como a cidade estava encoberta por nuvens, a bomba foi jogada em Nagasaki. O Japão finalmente se rende. O documento da rendição incondicional é assinado no dia 2 de setembro

Pergunto se Van Kirk já teve pesadelo com Hiroshima:
- Nunca. Há quem me critique pelo fato de eu nunca ter tido pesadelo com a bomba atômica. Mas devo dizer que não tive. Porque acho que o que fizemos em Hiroshima foi apropriado.

E ele faria tudo de novo?
- Eu faria – diz Van Kirk , sem titubear. Faria tudo de novo, se as circunstâncias que a gente tinha ali se repetissem : um conflito que se estendia por anos, com muita matança, com feridos, com o país inteiro em estado de guerra, não apenas as forças armadas. Mas creio que as circunstâncias não se repetiriam. Não acredito que nenhuma outra guerra dure mais que uma semana ou duas.

Se tivesse tido a chance de falar aos habitantes de Hiroshima momentos antes do lançamento da bomba, o que Van Kirka diria a eles?
- Eu diria: lamento que nós tenhamos de bombardear a cidade. É um ato necessário. Vocês não aceitaram os termos da rendição incondicional – que nós oferecemos. O resultado é este.

Aos que dizem que o ataque a Hiroshima é discutível porque atingiu indiscriminadamente alvos civis, Van Kirk responde que não : Hiroshima era a sede das instalações militares japonesas encarregadas de defender o país em caso de invasão. Havia na cidade pelo menos cem “alvos militares”. Mas a população civil pagou o preço.

Van Kirk acha absurda qualquer comparação entre o ataque atômico ao Japão – um ato de tempos de guerra – e, por exemplo, o ataque dos guerreiros de Bin Laden ao World Trade Center. O sentimento antiamericano, aguçado na era Bush, deu margem a comparações desse tipo. 

 - Quando vi o ataque ao World Trade Center me perguntei: que tipo de gente pode fazer algo assim? É algo que não consigo imaginar : que eles tenham achado que algo de bom poderia sair dali. Quando houve Hiroshima, nós estávamos em guerra. Havia legitimidade. Não apenas nós estávamos envolvidos na guerra,mas todo mundo – os britânicos, os russos, todos. Mas o ataque ao World Trade Center foi feito em tempos de paz. Como puderam fazer? Não consigo entender. Eu não o faria – nunca. Nunca.

Tento provocá-lo : o senhor iria a uma guerra hoje para capturar Bin Laden?

- Sim. Mas não creio que seja necessária uma guerra.

Vida de personagem da história é assim: o navegador do avião que jogou a bomba atômica oferece ao repórter um autógrafo sobre uma foto do Enola Gay. A relíquia vai para meus arquivos implacáveis. Pai de dois filhos e duas filhas, avô de sete netos, Van Kirk vive sozinho, com a mulher parcialmente inválida.

Em seus momentos de solidão, Van Kirk hoje se lembra das vítimas da bomba?

- Eu hoje me lembro das vítimas com menos freqüência do que antes. Mas a cada vez que vejo uma foto, um filme ou uma menção de alguém, me lembro das vítimas da bomba atômica. É algo que acontece menos e menos, à medida em que envelheço e o tempo vai passando. Hoje, devo me lembrar das vítimas uma vez por mês. Pode acontecer de eu me lembrar das vítimas duas vezes em um mês e, em seguida, passar três meses sem me lembrar. Mas a média é de uma vez por mês.

Van Kirk fica em silêncio. Nessas horas, ele parece rever intimamente os fantasmas de Hiroshima : o pesadelo da guerra, o imenso cogumelo atômico, a decisão dramática, a destruição indizível.

É sempre assim: quando uma notícia qualquer de TV fala da guerra ou quando um repórter vem de longe para ouví-lo sobre o dia histórico, Van Kirk embarca numa viagem feita de palavras, lembranças e silêncios - como agora. Não se recusa a falar. Não se esconde. Porque, desde o momento em que entrou no Enola Gay para voar rumo a Hiroshima, ele sabia que aquela viagem não acabaria nunca.


Texto retirado do site: Geneton.com.br

6 comentários:

  1. A muitos anos atrás, ví no Jornal Nacional uma reportagem de um então pouco conhecido Geneton Morais Neto. A reportagem era sobre um grupo de adolescentes, que a despeito das tribulações e miséria em que viviam, faziam parte de uma banda de música no agreste pernambucano. A pobreza era tão extrema, que o jovem Geneton não se conteve e chorou, copiosamente, em frente as câmeras.
    Ainda hoje, embora já acostumados a tantas mazelas, vimos apresentadores de olhos marejados, dando notícias tão medonhas que nem o convívio com outras notícias igualmente escabrosas, consegue atenuar o impacto.

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  2. Jacques Le Goff descreve a bomba atômica lançada contra as duas cidades japonesas como a "primeira encarnação histórica 'objetiva' de um possível apocalipse". Sabe, hoje eu me pergunto se a história não será contada pelos vencedores. Eichmann um dos homens responsáveis pela execução de milhares de judeus, durante a segunda guerra mundial, fora enforcado no estado de Israel e, no decorrer do seu julgamento, ele alegara que cumpria ordens do terceiro reich e que ele como um bom soldado não poderia desobedecer nem contestar, bem, nosso caro Eichmann fora condenado por crimes contra a humanidade, a história tratou-o como o vencido. Muitos dos que lêem esse comentário já sabem onde quero chegar com essa exposição, no entanto, não me furtarei de continuar a expor meus pensamentos. THEODORE VAN KIRK, nosso caro “amigo” “herói” ou “cavalheiro do apocalipse”, para os mais humanistas, expõe na entrevista um trecho interessante: “A História dos tempos de guerra não é feita apenas de ordens militares grandiosas e decisões sem rosto. Há sempre alguém que cumpre as ordens. As decisões tomadas no Salão Oval da casa Branca pelo Presidente dos Estados Unidos podem exigir - por exemplo – que um grupo de militares entre num avião de madrugada, invada o espaço aéreo japonês, mire numa cidade lá embaixo e abra as comportas para que seja lançada, naquele alvo povoado por homens, mulheres e crianças, a arma mais mortífera já concebida pelo homem, uma bomba atômica”. Interessante perceber que nosso caro “herói, amigo, mensageiro da morte”, Van Kirk, se posiciona apenas como um peão que em tempos de guerra cumpre as ordens que partem do Salão Oval da Casa Branca, mesmo que essa ordem seja lançar uma bomba absurdamente devastadora na cabeça de idosos, mulheres e crianças. Nosso “herói” orgulha-se do feito, afinal, tão exemplar militar fora o “peão” que pusera fim a tão devastadora guerra, que tantos mortos deixara. No mínimo paradoxal, não acham? É por isso, meus caros colegas que acompanham o blog bomba-h, eu me pergunto: Será que a guerra é contada pelos vencedores? Além de uma questão ética, humanista, é uma questão de memória, historiográfica, teórica do fazer historiográfico. Para entrarmos ainda mais no debate “pós-moderno” até onde a historiografia contemporânea dá conta da visão dos vencidos? Será que está tudo na ordem do discurso? Será que não estaríamos num certo fetichismo pelo discurso?
    Aguardo o debate, estão aí algumas indagações aos meus colegas futuros historiadores.

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  3. É impressionante perceber como fazemos expressões severas ao ler essa entrevista, como pode um homem dizer que faria tudo novamente? que se tivesse que fazer de novo jogaria a bomba que mataria milhões de pessoas,isso "machuca" a memória coletiva, a memória viva atrevés de livros, filmes, imagens, monumentos sobre esse acontecimento histórico , impedindo a aminésia de tal acontecimento. Estou lendo um livro da Hanna Arendt Eichamman em Jerusalém:um relato sobre a banalidade do mal que retrata bem esse lado do homem cumpridor de ordens, de um homem comum que estava fazendo seu trabalho com eficácia e como tinha treinado...como diz Van Kirk era um treinamento que durava semanas. Mas contrapondo a esse homem, vem o outro lado que pensa logo após que jogou a bomba - acabou a guerra, ou seja , tinha plena noção do que estava fazendo, podendo dissernir o bem do mal e ainda ver a destriçãoe massa como legitima e apropriada.

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  4. Como, eu me pergunto, se desvincular do discurso, quando nos deparamos com um personagem, que embora seja o vencedor, é sim nessa história um peão sendo regido por uma política (“”ética””) de guerra? Por mais perigoso que seja, pois lidamos a memória, é dessa forma e dessa analise do discurso que poderemos fugir um pouco de adjetivos como bom ou mal o certo e errado. E pensando dessa forma é que entra na questão, que o Lucas colocou “num certo fetichismo pelo discurso”, que embora tenha sua importância, acabamos algumas vezes nos colocando diante de discursos vencedores. Onde de um lado um personagem se acha, e tem em sua memória recordações, fato esse que o torna ele um herói para si mesmo e ou para algumas pessoas que persiste em ficar somente no discurso ético dos vencedores.

    Construir um ideal da Segunda Guerra aonde um lado bom vence um lado mal, nos remete a idéia das coisas estarem sendo contadas pelos vencedores e sua situação nos remete a discursos que nos coloca sempre em relação entre o que é certo e o que é errado. Quase como estivéssemos procurando algo que legitimasse que os feitos aconteceu por motivo legitimo ... sendo esse motivo decido pelas partes vencedoras

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  5. Estamos falando e pensando como historiadores que somos. Sentados nos ombros gigante do tempo, observamos. Não participamos da batalhas, não estamos sujeitos às decisões de uma alta cúpula que nos manda matar, ferir, estropiar. Sequer temos uma guerra. Apenas observamos, para contar para a posteridade. Soldados são peões, cumprem ordens. O calor e o cotidiano das batalhas anestesiam sentimentos, pois o próprio soldado está sujeito às bombas que ele mesmo lança.
    Lí certa vez o depoimento de um almirante da aviação naval, que dizia que para pilotar caças são escolhidos militares de alta performance, f.d.p. o suficiente para não se abalar com pudores morais; que não vacile na hora de liberar bombas sobre uma cidade, metralhar uma aldeia ou afundar um navio. Não defendo Van Kirk, mas o entendo, enquanto soldado: cumprimos ordens, pois elas muitas vezes estão muito acima das nossas convições pessoais. A Pátria sempre espera que agimos; que morramos como heróis, mesmo que seja defendendo ideologias que nem sempre são as nossas. Por mais escandaloso que possa parecer, muitas vezes morrem mil, para que dez mil sobreviva. Essa é a estranha matemática da guerra.
    Cabe a nós, historiadores, a narrativa honesta desses fatos, para que eles não repitam e que outros Van Kirk não se façam mais necessários.

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  6. Corrigindo: "sentados nos ombros gigantes do tempo, observamos".Grato.

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