domingo, 27 de junho de 2010

O Encobrimento do Outro

Como agente e construto histórico é comum que o indivíduo encare a sua realidade como natural e raras vezes, senão provocado por algum fator específico ele volva o seu olhar para a realidade onde está inserido, para questionar as muitas faces que esta lhe apresenta. Este fato se verifica com certa clareza quando o leitor aplica-se em problematizar textos que lhe despertam para um viés desta realidade que até o momento ele ignorava. Abordando o fragmento do texto de Fernández de Los Rio, nos apêndices um e dois do livro el encobrimiento del outro hacia el origen del mito de la modernidade é possível surpreender-se por exemplo com a naturalização de termos que se difundem e trazem em sí significados que são múltiplos pois ao se tornarem usuais, estes termos não perdem seu significado genético, mais vão aglutinando significados tornando se muitas vezes de difícil compreensão. Nestes apêndices o texto traz a vontade do autor de desconstruir a naturalidade de conceitos como: bárbaro, Europa, europeu, ocidente, oriente, civilização e por fim o grande discurso que ele aborda em desconstrução que é o conceito de modernidade/pós-modernidade.

O que comumente se-parece perfeitamente significativo pode ser completamente sem o significado comum com o qual é aplicado. Assim partindo do movimento semântico das palavras o autor aprofunda-se em episódios históricos, históriografiados como verdades sólidas da trajetória humana e seu modo díspar de contar o tempo e desenvolver a sua consciência histórica.

Aos agentes da história de cada tempo todos estes conceitos são apreendidos como verdades naturais e só com o empenho em aprofundar-se na pesquisa da história do homem e seus construtos pode-se perceber que os conceitos são também parte destes construtos e que como tais respondem as necessidades daqueles que os construiram no seu contexto genético e que a evolução semântica que as palavras carregam ganhando uma infinidade de sinonímia, é resultado de uma constante releitura ou reinterpretação dos fatos ou ainda uma reelaboração do discurso acerca do fato abordado. E embora haja toda essa mutação comum aos fatos ou ás abordagens, sempre permanece algum vestígio do que foi a leitura anterior isso se faz em função da continuidade que permeia todo processo de ruptura.

Portanto o discurso de moderno e pós-moderno tanto quanto os conceitos de bárbaro, Europa civilizada, de ocidente e oriente são instrumentais de um arcabouço complexo que sempre esteve no bojo de uma ação comum a todos os povos da história humana, qual seja a negação do outro, a tentativa de eliminar, encobrir o outro, quer por um ideal particular ou globalizado/globalizante a imagem do outro sempre passou por essa práxis do encobrimento e estes termos e conceitos são balizas que procuram marcar o tempo e os agentes e construtos históricos de determinado período, o que pode ser compreendido como estágios de evolução intelectual do ser humano, ou pelo menos se propôe como essa possibilidade. Tanto como maturação, justificativa á práxis da violência irracional, a modernidade é discurso de indivíduos inseridos num tempo específico que encontram ferramentas que os possibilitam a atribuir um sentido racional a sua práxis legitimando suas ações. E se por um lado somos tão próximos dos tempos passados pelas reminiscências, por outro somos lhe completamente estranhos, pois seus significados estão perdidos irremediavelmente, tendo o coevo a sustentar-se em releituras e interpretações do que sobrou destes tempos para assim dar continuidade ao movimento histórico feito de rupturas e de continuidades, de abordagens e mais abordagens na ânsia de resignificar o conjunto que compõem as realidades das coisas a fim de se orientar e assim melhor interagir no mundo e com o outro, esse eterno estranho no qual reconhecemos a semelhança e por alguns motivos diversos encobrimos para dessemelharmos de nossa concepção de nós mesmos. Talvez isso se projete de tal maneira por que em tese nos estranhemos a nós mesmos e o ferramental que a tradição nos lega mostra se insuficiente para preencher a crise humana interior que não lhe permite reconhecer-se senão no outro e por isso mesmo à necessidade de negar o outro de encobri-lo.

O discurso da modernidade é o responsável pela forma do mundo se apresentar esteticamente e estruturalmente. O imaginário do individuo atual é resultado desse discurso que aproximou os continentes do planeta sob seus auspícios adotanto sempre a negativa do outro e o seu encobrimento como metodologia de dominação e formatação de uma civilização hegemônica e modelar que se mostra a cada dia mais fragmentada e díspar. Numa infinitude de modelos, onde os contrastes depõem contra o discurso da hegemonia globalizante.

Quando o texto chama para a observação da Europa central onde o resto do mundo é a sua periferia, angustia-me notar o quanto somos nesse tempo, a mortalia que encobre o outro que nos antecedeu, o quanto esse mundo tal qual estamos habituados a conceber como natural é o resultado da superficialidade de tantos outros discursos de hegemonia, que se fundaram na superioridade cultural, religiosa, racial etc. e o desejo de acessar o diverso encoberto sufoca minha estética moldada por tais discursos, assim nessa inquietação volto à minha crise interior, como percebo que quis o autor, ao provocar tais inquietações no leitor, perguntando o que somos de fato e como de fato é, esse mundo que parece tão familiar, natural e estranho.


FERNÁNDEZ, De Los Rios. 1492 El encobrimiento del outro hacia el origen del mito de la modernidade.vozes. Petropolis. Rio de Janeiro.

Kiko di Faria

2 comentários:

  1. O que torna o texto bom, não é o conteudo ou a forma de escrever, mais são as reflexões...


    esse é caro kiko"! Sempre muito angustiante e supreendente

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  2. REALMENTO JOAQUIM ESTE TEXTO NOS FAZ REFLETIR UM POUCO E VOLTAR A FORMAÇÃO DE NOSSA IDENTIDADE QUE PARECE QUE JA NAO É NOSSA,DE FORMA A SER POSSIVEL UM GRANDE PARADOXO NESTE CONTEXTO.

    SEMPRE QUE ESSES ASSUNTOS VEM A CABEÇA MEXE COM NOSSAS INQUIETAÇÕES E TENTAMOS CHEGAR A UM CONSENSO MAS VEMOS QUE TUDO É MUITO COMPLEXO PARA SIMPLES PENSAMENTOS QUE SE TORNAM PEQUENOS EM MEIO AO PROBLEMA PROPOSTO.


    M.DIAS

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