sexta-feira, 1 de abril de 2011

Um breve esboço sobre o feminino na sociedade colonial brasileira


“porque mulher e fazenda são as duas coisas que mais apartam os homens do céu, e os dois laços do demônio em que mais almas se prendem e se perdem.” (Vieira, padre Antonio. Sermões. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do livro.)

A investigação dos elementos literários como um mecanismo da expressão de determinada sociedade é completamente viável. Avaliar a maneira de escrita, o teor de determinados discursos, a compreensão de mundo, a avaliação da própria existência, a construção dos conceitos e da cultura, além de demonstrar as relações sociais moldadas pela cultura de cada sociedade, são elementos passíveis de serem investigados com a utilização de obras literárias. Compreender a literatura não como uma manifestação prática da sociedade, mas como uma manifestação que perpassa várias seleções, de modo a ser avaliada como pertencentes ao campo das ideias de um povo e que pode avaliar (com a devida apuração crítica) as relações sociais presentes em determinada cultura. Esse é o cuidado que se deve ter no trato do elemento literário para que possamos compreender as mutações que o mesmo sofreu ao longo do tempo. Esta incursão hermenêutica nos possibilita acessar, o que os alemães denominariam de zeitgeist, o espírito de uma época. O presente trabalho propõe-se, por intermédio da literatura barroca de padre Antônio Vieira, perceber a condição do feminino ao longo do período colonial no Brasil e, com a ajuda de Emanuel Araújo, perceber uma série de conceitos formados acerca das mulheres durante o referido período.

Primeiramente proponho aqui um esforço para compreender algumas características do barroco que o definem como tal, de modo a fazer também, um diálogo com o contexto histórico da época do seu afloramento. O barroco apresenta como sua característica principal o antagonismo e este fator pode ser entendido se compreendermos o período de nascimento do barroco. O barroco se desenvolve no seguinte contexto histórico: após as reformas religiosas a Igreja católica perde um pouco dos seus poderes com a ascensão de um novo discurso que fez frente ao velho e agora inútil discurso cristão. Mesmo com a diminuição de seus poderes, a Igreja continuou com um discurso influente frente à sociedade européia. A arte barroca surge nesse contexto e expressa todo o contraste deste período: a espiritualidade e o teocentrismo da Idade Media, com o racionalismo e antropocentrismo do renascimento. Compreendendo o contexto histórico fica mais claro o forte antagonismo presente na arte barroca, mas outras características, que julgo importante, devem ser apresentadas. A arte barroca destaca-se também pela utilização de alegorias e imagens de forte poder emocional com uma intenção explícita de tocar o público, estilizar e ficcionalizar o real. Dividido entre solicitações terrestres e imposições de ordem religiosa o homem barroco é um ser em permanente conflito.

Após essa dupla introdução, proponho agora envolver-me mais no recorte deste trabalho: a condição da mulher ao longo do período colonial sob a ótica barroca dos Sermões do padre Antônio Vieira, contando com o apoio do trabalho Historiográfico de Emanuel Araújo.

Na sociedade ocidental amparado por uma filosofia greco-judaica a mulher era vista como uma pecadora em potencial e que, portanto, deveria ser afastada das atividades sociais para que a sua natureza não prejudicasse os homens mais uma vez. A literatura barroca do período colonial brasileiro expressa de maneira clara a posição da mulher na referida sociedade. 
“Na sociedade colonial a mulher era vista em tentação permanente e, assim, podia ser potencialmente adultera, feiticeira, enganadora, sibarita, repositório enfim de todos os males já presentes desde a primeira mulher, Eva, a Eva tentadora”. (Teatro dos vícios PP.213 - Emanuel Araújo)
A conhecida frase “lugar de mulher em casa” que vigora até os dias atuais demonstra o quanto esta filosofia se fez e se faz presente na sociedade brasileira. Assim como Portugal e quase toda cultura ocidental, diretamente influenciada pela cultura hebraica, o Brasil é uma sociedade patriarcal, onde o homem é a cabeça da família e a mulher é submissa às vontades deles.


Eva, além de cometer o pecado ela convenceu Adão a comer o fruto proibido o qual expôs toda humanidade ao pecado original e o castigo foi à expulsão do paraíso. Portanto Eva não é apenas “a pecadora”, mas também uma ameaça à vida social e que, por isso, ela deve ficar reclusa em casa para não expor os homens, novamente, ao pecado. Outra concepção sobre a mulher expressa no barroco era a da sua natureza de fácil convencimento, portanto, elas eram mais facilmente atraídas pelas tentações do demônio o que torna a mulher uma ameaça constante à sociedade. Se a primeira mulher criada diretamente por Deus foi persuadida pela serpente, quem dirá as mulheres do período colonial que são em maior quantidade e mais vulnerável à tentação do maligno.


“No Paraíso havia uma só árvore vedada; no mundo há infinitas” (padre Antônio Vieira “sermões da quinta feira da quaresma”. Na misericórdia de Lisboa. Ano 1669 pp.184).
A mentalidade do período apresenta a necessidade de reclusão do feminino no espaço doméstico, no entanto, o feminino não deixa de ter participação na sociedade colonial brasileira. Uma série de documentações, com diários, entre outras, apresenta a relação da mulher com os escravos, no processo de educação das crianças, nas relações privadas com seus cônjuges, entre outras mais. A longo do período colonial foram elaborados uma série de elementos de reclusão do feminino, entre eles, o de denegrir a mulher como “puta” ou outros adjetivos baixos para aquelas que possuíssem uma vida social mais ativa. A mulher que possuísse uma vida social mais ativa era mal vista pela sociedade, então, concluímos que, para aquelas que tentassem participar das atividades sociais teriam que enfrentar uma série de “pré-conceitos ainda mais intensos em uma sociedade patriarcal como a brasileira.



A manutenção deste discurso a favor da reclusão feminina é encontrada nos Sermões de um dos maiores ícones da literatura barroca, padre Antônio Vieira. Antônio Vieira é incisivo em seus sermões em reafirmar a posição da mulher na sociedade. Apesar de possuir um papel de mãe e, até mesmo foi a “mãe do filho de Deus, uma mulher”, o feminino continua sendo submisso aos pais, irmãos e, posteriormente, aos seus maridos.
“Tenta e engana o demônio aos filhos de Eva com a mesma traça e com a mesma astúcia com que a enganou a ela. Como a fé é o fundamento da graça, contra a fé vomitou a serpente o primeiro veneno, e na fé armou o laço à primeira mulher. Mas como? Porventura intentou persuadir-lhe que não cresse em Deus, ou duvidasse da sua divindade? Tão fora esteve disto o demônio, que antes ele ratificou a Eva essa mesma crença de Deus, uma e outra vez, supondo sempre que o que lhe pusera o preceito, era Deus: Cur praecepit vobis Deus? E o que lhe ameaçara a morte também era Deus: Scit enim Deus quod in quocumque die comederitis ex eo. Pois em que esteve logo a tentação contra a fé? Não esteve em que Eva não cresse o que Deus era; esteve em que não cresse o que Deus dizia. Deus disse a Eva e a Adão que, no ponto em que comessem da árvore vedada, haviam de morrer.” (Vieira, padre Antônio. Sermões. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do livro.)

“Tinha roncado e barbateado Pedro que, se todos fraqueassem, só ele havia de ser constante até morrer, se fosse necessário, e foi tanto pelo contrário, que só ele fraqueou mais que todos, e bastou a voz de uma mulherzinha para o fazer tremer e negar.”(Vieira, padre Antônio. Sermões. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do livro.)
A posição da mulher na sociedade brasileira faz parte, também, da construção identitária do Brasil. As palavras incisivas de padre Antônio Vieira e a ironia de Gregório de Matos perpetuaram pela sociedade e vigorou até meados do século XX e ainda é presente em nossa sociedade em pleno século XXI. É recorrente vermos nos noticiários pesquisas acerca da condição da mulher no mercado de trabalho, demonstrando que as mulheres em relação aos homens não possuem a mesma possibilidade de sucesso profissional. Mesmo com o crescimento das mulheres chefes de família o discurso do período colonial ainda vigora, aquelas tem que enfrentar uma série de bloqueios sociais para conseguirem maior espaço profissional, social, entre outros. O movimento feminista de meados do século XX irá questionar e reivindicar o espaço do feminino na sociedade brasileira. Amparado nas ideias de nomes como Simone de Beauvoir, Judith Butler, o movimento feminista alcançara inúmeras ramificações no final do século XX e início do século XXI. A principal inovação das ideias feministas está na concepção da categoria mulher como uma construção cultural, de modo a estabelecer um diálogo entre natureza/cultura, sexo/gênero, como afirmara Simone de Beauvoir ela não nasceu mulher se tornou mulher. As teorias feministas vem questionar as concepções advindas da modernidade acerca do feminino e ganha ainda mais vigor com a teoria queer, uma teoria que posiciona o gênero como um construto social, afirmando que a identidade sexual do indivíduo não é algo biológico e sim cultural e social.


Concluindo este, devo relatar que foi de intenso prazer fazê-lo. É interessante perceber como é cunhado aquilo que chamamos de “pré-conceito”, e como os mesmos permaneceram arraigados na sociedade brasileira ao longo do tempo. A reclusão das mulheres continua recorrente na sociedade atual e como os mecanismos de exclusão diminuíram com o advento do século XXI nos vemos cada vez mais diante de crimes contra as mesmas. Os incisivos discursos contra as mulheres sofreram intensas transformações e que nos deixa uma inquietação. Qual é o lugar da mulher brasileira na sociedade contemporânea?

Lucas Alves

Bibliografia:

ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios. Transgressão e transigências na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio/UnB, 1993.

Vieira, padre Antonio. Sermões. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do livro.

 ROSA, Maria da Gloria Sá. Cultura, literatura e língua nacional. Ed. Do Brasil, 1976-78.

BUTHER, Judith. Problemas de gênero Feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.

10 comentários:

  1. Percebe-se, portanto, que existe em tal texto uma visão particular do que seria o barroco, para que dele possamos compreender o que podemos tirar de significados para entendermos a mulher no sentido colonial. Ou seja, se temos uma obra ou uma arte do sentido particular o barroco dele pode extrair sentidos para compreensão de outros elementos singulares da sociedade que rodeia essa mesma obra no tempo em que foi escrito, salvo as exceções de alguns autores chamados fora de época.
    Torna-se, portanto legitimo extrair a singularidade mulher da obra do barroco tendo como base o período colonial. Saindo de um pouco universal (colônia brasileira), passando pelas particularidades (barroco e suas formas de pensamento) e entrando em um problema ou no tema, singular que seria aonde se encaixa a mulher.
    Entrando no objeto mulher, fica claro que embora o espírito do barroco tenha essa questão citada “A arte barroca surge nesse contexto e expressa todo o contraste deste período: a espiritualidade e o teocentrismo da Idade Media, com o racionalismo e antropocentrismo do renascimento”
    Ou seja a idéia de que o homem não perdeu a fé, apesar das reformas religiosas ainda era marcante a presença da tradição crista em seus discursos, como exemplo comparar a mulher a Eva pecadora. Quase como tentando encontrar algo que justificasse o porque da mulher ser pecadora, ou o por que os índios são primitivos... uma relação entre razão e religião.

    Portanto a criação de discurso e essas intenções da mulheres e dos movimentos e ir de encontro ao que antes era tradicional, aceito quase de forma racional, se torna a luta da mulher contemporânea. Que embora, esteja sendo fragmentando por especificações, ainda sim existe uma espécie de luta solidaria entre a mulher querer cada vez mais se afirmar entre a sociedade como uma protagonista.


    POR FIM FICA O AGRADEÇIMENTO AO TEXTO DO LUCAS QUE SEM DÚVIDA NENHUMA, É CERTEZA, QUE TORNOU CADA VEZ MAIS ESSE ESPAÇO VIRTUAL UM ESPAÇO ABERTO, INTELIGENTE E REFLEXIVO.

    OTIMO QUE TUDO ESTEJA ACONTECENDO.

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  2. É preciso reconhecer que um mergulho na história social do Brasil mostra que durante a escravatura formou-se uma poderosa cultura racista. Essa idéia, em grande medida, já está em Caio Prado Júnior.
    Farei agora uma digressão. Assisti a última conferência que Gilberto Freyre fez em São Paulo num clube de empresários. (Quase não me deixaram entrar porque exigiam gravata.) Ele iniciou sua fala com muita graça: ''Dizem que sou saudoso da escravatura'' e depois de um silêncio longo: ''Sou. Sou sim!''. Passou então a relatar sua infância, sua convivência com pessoas oriundas do escravismo (da casa-grande), contando as histórias de Felicidade, uma negra chamada afetivamente por ele de Dadade.
    Ao narrar essas experiências afetivas, algumas até engraçadas, outras alusivas ao erótico etc. – notei que não havia referência alguma ao eito, ao trabalho pesado do escravismo. Observei algo que tem a ver com a literatura, com a oralidade dos contadores de causos. Percebi que quando falava de Dadade ele estava fortemente impressionado com aquelas histórias que ele assimilou, com aquela oralidade que transcreveu em seus escritos, principalmente da primeira fase.
    Coloco a seguinte interrogação: como é possível afirmar e reafirmar a democracia racial num país em que as experiências de democracia política são precárias e que a democracia social, se existe, é incipiente? Isso é minimamente uma contradição, um paradoxo num país oriundo da escravatura, autocrático, com ciclos de autoritarismos muito acentuados.
    Acrescento ainda (algo muito pessoal) que o mito da democracia racial não é só das elites dominantes. Quando pensamos que as relações sociais estão impregnadas pela idéia de democracia racial, descobrimos, então, que se trata de um mito cruel porque neutraliza o outro.
    Esse mito da democracia racial antes de ser político e social acaba servindo aos interesses das elites dominantes.
    Há um elemento implícito nas falas que é o fato de alguns negros terem êxito. Um deles é um grande ícone brasileiro e cabe perguntarmos se ele é mesmo negro. A resposta é que não é mais. Nos EUA estudou-se o processo, chamado, na época, de branqueamento social. Ou seja, de como um indivíduo de uma certa etnia passa a circular (seja por competência, seja por capacidade de circulação) em certos meios sociais sem nunca tocar na questão racial. É algo que serve para as pessoas reativarem a idéia de democracia racial, já que fulano de tal é um grande artista, futebolista etc. Mas, na verdade, a relação que essa pessoa tem com a questão social lato sensu e com a questão racial não aparece. Aliás, essa figura a quem estou me referindo, durante a ditadura militar declarou, recitando uma tese dos militares, que o povo brasileiro não estava apto a votar. Traduzo isso como: ''eu sou branco. Eu sou como vocês''. Penso essa afirmação como uma adesão total.

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  3. Olá meu caro seja lá quem for, espero que as suas angustias e necessidades não venham a mudar o caminho proposto pelo texto postado. Apesar da sua forma prolixa de se expressar percebi que sua carência se encontra na idéia de “democracia racial”. Percebo, ainda, que incorreste em um dos elementos mais assustadores para o trabalho do historiador, o tal do anacronismo. Ai você me pergunta “Anacronismo por que ‘meu amigo’ Lucas?” Não sei se seu lugar de fala ao desenvolver tal texto (inapropriado à discussão proposta, a não ser pela idéia de sujeitos excluídos da sociedade, elemento que você não deixa claro) seja de um historiador ou de um militante. Se escreverdes como um historiador (o que te garante um lugar de fala no mínimo especial) incorreu no erro de não transitar pelas idéias recorrentes no período em que Gilberto Freyre cunhou tal conceito e o monstro do anacronismo se apresenta ao deslocar tal conceito, “absurdo”, para a sociedade contemporânea, saco? Se, por outro lado, expressaste uma posição política, de alguma militância, creio que não utilizaste do espaço apropriado. Veja bem, não quero separar a vida acadêmica da militância, no entanto o texto apresentado é uma idéia de uma fonte (os sermões), de um projeto (a mulher no período colonial brasileiro) e, por fim, estendo as discussões para a sociedade atual para que possamos perceber as relações entre as idéias do período colonial e as idéias contemporâneas. Talvez, meu caro, seria mais apropriado uma reelaboração de seu texto para que suas idéias ficassem mais nítidas e em seguida o senhor postasse tal angustia como postagem de fato, e não como comentário, no seu blog ou então procurasse os organizadores do Bomba – h para que eles postassem suas angustias para que possamos debater sobre ela, num espaço apropriado. Como você mesmo disse em alguns relatos você é inteligente, pois conseguiu chamar atenção, de verdade não consigo estabelecer uma relação entre erudição intelectual e “chamar atenção”, os caras do Funk, do Axé, os redatores de revistas de fofoca, devem ser todos geniais, não acha? Meu caro tenho observado seu discurso há algum tempo e tenho notado certo ressentimento em suas palavras, se quiser podemos conversar sobre suas inquietações, sem ofensas veladas e sem a necessidade de postagem de comentários em blogs que deve ser o espaço de debate do assunto que está em pauta, para isso, deixarei meu email abaixo, peço que pelo menos tenha a decência de identificar-se. Então ficamos assim, evitamos que os observadores de ambos os blogs (tanto o seu como os do terceiro ano de História) percam seu tempo observando tão intediante ladainha, se quiser comentar o texto publicado com críticas, duvidas e sugestões ficarei intensamente feliz.


    Att, Lucas.
    oliveira_de_lucas@hotmail.com

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  4. Olá,
    O comentário do Homem Bomba H é um plágio de um texto do Otávio Ianni:
    www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a02v1850.pdf
    Fala sério! "Assisti a última conferência de Gilberto Freyre..." Fala Sério!

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  5. Mais uma expressão do plágio e da ignorância, será que realmente estou tratando de casos isolados? Antes disso até acreditava que assim o era, mas agora tenho sinceras dúvidas. Para completar, não afirmei que a turma de 2005 era maravilhosa, afirmei que a partir da turma de 2005 obtivemos bons resultados nas seleções de mestrado, apenas isso. A turma de 2004 também teve bons acadêmicos, como qualquer outra turma.

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  6. Se em Eva a "mulher" é rechaçada, destituída de sua completude, para ser parte negada, integrante do ser "homem" enquanto integralidade da humanidade. Na Maria despojada a mulher, abrindo mão de si, busca pela submissão o lugar de acolhimento junto ao paraíso masculino, que lhe fora usurpado pela força da desobediência. Nesta situação, não há outro lugar para a mulher, dentro de uma cosmovisão cristã ocidental, senão no apagado lugar da submissão ao masculino, reclusa ao ambiente doméstico que extrapola seus significados em uma infinidade de aparências e definições, terminando por condicionar o feminino a um lugar de apagamento e coadjuvância.
    Responder à questão posta pelo Lucas é mais complexo do que parece, por isso ouso, comentar perifericamente esta questão pertinente, que é o feminino e seu lugar que vem variando de cultura a cultura e de tempo em tempo. Cada contexto apresenta peculiaridades que engendram uma realidade do feminino, e uma categoria de Mulher, o que certamente evidencia a complexidade da questão e evoca os argumentos da Judith Buther de que a categoria mulher chega a ser pequena para a variedade de subcategorias que existem no universo do feminino.
    E pra não acabar descambando, para o “complexo de vira-latas”, ou “democracia racial” e abandonar a arena do debate concluo meu comentário com o manifestar de minha satisfação em ter neste espaço as contribuições do Lucas, esse cara sempre inquieto e participativo, que faz da sala de aula um ambiente sempre matizado por suas opiniões.
    E que honra é para o Bomba H, contar com a visita de mestres como os professores Luís Henrique, e Juliano Pirajá.
    Ao Homem Bomba H meus agradecimentos, quiçá um dia a Academia em seu conjunto, consiga alcançar sua eloquência e intelectualidade e assim compreender e apreender as contribuições que seu discurso nos proporciona.

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  7. Joaquim, só tenho a agradecer as considerações, acho que essa historia do homem bomba-h só venho afiar a parte irônica dos nossos textos.
    Obrigado por chamar a atenção da figura de Maria, como a mulher regenerada que se encerra no seio da figura do masculino, numa perspectiva de fuga da punição do pecado cometido. Não gosto muito de usar essa palavra, por culpa do Juliano, mas como esse arquétipo foi reproduzido na sociedade brasileira, não só colonial, mas até meados da década de 80. A mulher tendo de ser tutelada pela figura do masculino, encerrada na vida domestica, caso contrário seria alvo de "pré-conceitos", como foi o caso das mulheres desquitadas antes da década de 60 e 70. Acho ainda interessante perceber, como a noção de sujeito para o pensamento iluminista contribuiu para a fixação desses arquétipos.

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  8. Fernando S. Teixeira7 de abr. de 2011, 23:37:00

    Dentre as primeiras imagens, reflexo significativo do imaginário dos artistas e narradores, moldadas pelos europeus em contato com as terras da América Lusitana, as mulheres aparecem retratadas em um grau mais acentuado, mais recorrente. Inclusive, às representações mais infames recaíram sobre as índias (“Evas tupinambás”), principalmente as “velhas de peitos caídos”. Cabem a elas, mormente, as tentações da carne e as perversões sexuais. Enfim personificam uma intensa resistência contra os europeus. Mas! Vamos ao seu texto que, embora retrate mais especificamente o período barroco, permitiu à esse que vos fala o transe de muitas idéias, assim sendo, aconteceu-me, naturalmente, lembrar-me disso nesse momento. Tal esboço (gostei do termo) apresenta uma boa desenvoltura, com uma linguagem clara, coerente e ágil. São expostos alguns aspectos, atributos do feminino no período colonial brasileiro. Como a organização de uma sociedade, ocidental, amparada na filosofia greco-judaica, onde a mulher era tida como pecadora em potencial. Destarte, em intrínseca relação com a Eva do Gênese, de trato frágil e suscetível. Por conseguinte outros pontos no alfarrábio vão sendo desmembrados. A mentalidade do período – isso pode ser bem observado no famoso provérbio da época, “ a três ocasiões em que a mulher virtuosa poder sair do lar durante sua vida: para se batizar, para se casar e para ser enterrada”, o olhar severo do inquisidor devia dirigir-se com particular zelo às mulheres (Emanuel Araújo) , à necessidade de reclusão entre outros. Mais uma virtuose do seu escrito toca algo essencial para o oficio do historiador, evocar o testemunho nesse nosso constante dialogo, de certo modo, com os mortos. No seu caso, fragmentos de um dos mais apoteóticos da literatura barroca, desse período expresso nas artes pelos seus contrastes, por sua tensão, padre Antonio Viera. Seus sermões corroboram a posição a ser preservada pela mulher, mas não nos esqueçamos das mulheres mais ativas e das “freirinhas alegres” (risos!)... No desenlace do texto, evidencia-se (talvez, essa seja sua proposta mais relevante) um convite a refletir acerca da posição e o papel da mulher (ou das mulheres) brasileira (s) na contemporaneidade. Decerto, é preciso aumentar as proporções do debate sobre os movimentos feministas, sobre a isonomia em um país ainda muito envolto em pré-conceitos das mais diversas formas. É inconcebível, como ocorreu recentemente nas eleições presidências, análises reacionárias do tipo, bastante ouvida nas ruas, botecos e praças, “Ah! Eu que não voto na Dilma. Se a coisa já tá feia com um homem no poder quem dirá com uma mulher então, imagina!”, (mas como foi bom tê-la visto eleita). Em suma, falo agora como amigo, parabéns meu velho por sua participação e seu esforço nas questões acadêmicas. Valeu...

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  9. Engraçado, ao ler esse texto, fiquei muito confusa em relação a esse papel, pra mim isso é uma grande viagem (sou apaixonada por essas leituras e discussões). Muito bom Lucas,(realmente, como você salientou, foge um pouco do meu viés argumentativo)você me ter indicado essa leitura. Apesar de que já o havia lido, apenas não tinha percebido o quão amplo é esse discurso, e só agora após a conclusão de meu projeto de pesquisa, que pude perceber que essa posição feminina inferior está introjetada na mentalidade de nossa sociedade. Me choca e me indigna quantos crimes temos visto na nossa sociedade chamados "passionais", a meu ver isso só ocorre porque esses "homens" se acham superiores, eles ainda têm esse pensamento retrógrado que a mulher é uma posse... Enfim, voltando á meu Projeto, sob a ótica de Richard Tarnas, Maria, teria o papel de realizar a redenção à Eva pecadora, acho q não colou muito, mas também pode contribuir pra essa discussão, a meu ver bastante interessante.

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  10. Até que enfim debates acadêmicos. Ufa! Já estava cansado de tantas acusações de ir de vilão a herói em poucas linhas de distância. Não li o Tarnas, mas conheço um pouco da leitura dele sobre o tema. Acho que é isso mesmo que vc colocou, a figura de Maria exerce um pouco desse papel de redenção da Eva Pecadora. Entretanto, gostaria de constatar algo que evidentemente vc deve ter percebido. A utilização da imagem de Maria contribui, de uma outra maneira, para o discurso de reclusão do feminino. Maria deixa de ser a Eva pecadora, mas passa a ser a boa, silenciosa, paciente, mãe, braço direito do homem, humilde, passiva, frágil, etc. Acho que pensar esses discursos é um caminho interessante, não sei se vc está aí, mas fica a ideia.

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